GUIA DE BOAS PRÁTICAS NO TRATAMENTO DOS CASOS DE ABUSO SEXUAL DE MENORES E ADULTOS VULNERÁVEIS NO CONTEXTO DA IGREJA CATÓLICA
2023
Introdução
A Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas para Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis (ECN) elaborou em maio de 2022 um documento denominado “Base Comum de Atuação” das Comissões Diocesanas (CD) que foi alterado em novembro de 2022 e abril de 2023. No Capítulo IV daquele documento, sob a epígrafe “Relacionamentos”, está previsto o modo como as CD se relacionarem com a ECN, bem como com a existente, à data, Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, e ainda com a comunicação social e com outras entidades.
Entretanto, e na sequência da apresentação do Relatório Final da Comissão Independente para o “Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa”, em fevereiro de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu promover a criação de um grupo que se ocupasse das situações de abuso sexual sobre crianças e adultos vulneráveis, no contexto da Igreja Católica em Portugal, que veio a designar-se por “Grupo VITA”. Este grupo foi apresentado à Assembleia Plenária da CEP, em Fátima, a 17 de abril de 2023 e publicamente a 26 de abril. Entre o Grupo VITA e a CEP elaborou-se um Protocolo onde consta a missão, objetivos e as áreas de intervenção. E ficou definido que o Grupo VITA, para além da área da prevenção, formação/capacitação, atuaria nos domínios do “Acolhimento, Acompanhamento e Sinalização” das vítimas de violência sexual, conforme consta do referido Protocolo.
Cedo se revelou a necessidade de articulação entre as CD e o Grupo VITA, nas respetivas áreas de atuação, assim como no estabelecimento da disciplina do pagamento de despesas, ocasionadas pelos tratamentos psicológicos e/ou psiquiátricos das vítimas, eventualmente dos agressores ou até das respetivas famílias que se revelarem necessárias. Daí a elaboração deste Guia de Boas Práticas, aprovado na Assembleia Plenária da CEP, a 16 de novembro de 2023.
I – DENÚNCIAS APRESENTADAS JUNTO DO GRUPO VITA E ARTICULAÇÃO COM AS COMISSÕES DIOCESANAS E COM A PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
a) Sempre que o Grupo VITA necessitar de um espaço para a audição da vítima, apresentará tal pedido junto da ECN com indicação do dia e da hora pretendida para aquele fim, disponibilizando a demais informação que considere essencial e pertinente.
b) A ECN, em articulação com a CD da área territorial em que a dita audição se realizará, providenciará pela obtenção do espaço e dará conhecimento ao Grupo VITA sobre a entidade escolhida e a respetiva morada.
c) Na eventualidade de a vítima não se sentir confortável com a entidade escolhida (por esta estar associada à Igreja), a ECN, com a maior brevidade e em articulação com a CD, apresentará um espaço alternativo que comunicará ao Grupo VITA.
d) Para efeitos de audição da vítima, o Grupo VITA também terá a faculdade de recorrer a outras entidades, tais como Câmaras Municipais, com quem já tenha celebrado uma parceria, vindo a informar ECN desta solução.
e) Dois membros do Grupo VITA (de preferência um senhor e uma senhora) ao acolherem uma vítima, e após apurarem se a mesma já apresentou uma denúncia junto da CD, identificam a situação de violência sexual exercida sobre criança ou pessoa vulnerável no contexto da Igreja, passada ou em curso, e, após o exercício das suas demais competências, procedem à elaboração de um Auto.
f) Nas situações em que a vítima tenha já, previamente, apresentado uma denúncia junto da CD, o Grupo VITA enviará a informação de que dispõe, na medida em que poderá ser complementar àquela já recolhida.
g) O aludido Auto discriminará a situação vivida com a devida contextualização fáctica, bem como identificará, se possível, todas as pessoas envolvidas.
h) Àquele Auto poderá ser junta documentação, designadamente judicial, se existir, e naquele estará vertido o entendimento da eventual necessidade de apoio, nomeadamente social, espiritual, jurídico, psicológico ou psiquiátrico.
i) No caso do apoio psicológico ou psiquiátrico, o Grupo VITA identificará, sempre que possível, o profissional da Bolsa que deverá acompanhar a vítima e qual o valor que será despendido por cada sessão, sendo que com os profissionais da Bolsa do Grupo VITA, e para as consultas de Psicologia, está atualmente definido um valor fixo de 40 euros por sessão.
j) Na hipótese de no local onde a vítima resida não exista um psicólogo ou psiquiatra disponível na Bolsa, o Grupo VITA procurará encontrar um profissional adequado à situação da vítima, vindo o valor a ser posteriormente acordado.
k) Na eventualidade de uma determinada vítima já estar a ser seguida em psicologia e/ou psiquiatria e pretender manter esse profissional, com quem já tem uma relação de confiança e uma aliança terapêutica, estabelece-se um valor máximo de 55 (cinquenta e cinco) euros por consulta de psicologia, sendo o excedente pago pela vítima.
l) Na situação descrita na anterior alínea k), o psicólogo deve emitir dois recibos em que um é emitido com o valor a ser suportado pela CEP e outro com o valor a ser pago pela vítima.
m) Não foi possível estabelecer um valor máximo nos acompanhamentos psiquiátricos, na medida em que o mesmo também não está protocolado com os psiquiatras que constituem a bolsa do Grupo VITA.
n) No Auto estará expendida a informação de a situação de abuso ter sido denunciada pelo Grupo VITA, junto da Procuradoria-Geral da República, e a dita denúncia ocorrerá independentemente da verificação, ou não, da prescrição do delito.
o) E no aludido Auto o Grupo VITA apresentará, ainda, à CD o pedido de apoio espiritual à vítima sempre que a mesma tiver manifestado tal pretensão perante a pergunta feito pelos membros do Grupo.
p) Após a feitura do dito Auto, o Grupo VITA remetê-lo-á para a CD, por e-mail e com a ECN em conhecimento, para fins canónicos, ou seja, para efeitos da instauração do processo de averiguação da probabilidade séria da prática do delito, bem como para que seja concretizada a devida articulação com a Diocese no que concerne aos pagamentos a efetuar pela CEP ao profissional da área que acompanhará a vítima ou o agressor e ainda para que seja prestado apoio espiritual se peticionado.
q) No âmbito do dito processo de averiguação da probabilidade séria da prática do delito, vindo a verificar-se a necessidade de audição da vítima, a CD articulará com o Grupo VITA, e através do e-mail da Coordenadora, o modo mais adequado para que aquela se possa concretizar, acautelando eventuais situações de vitimização secundária.
r) Na hipótese de a vítima pretender solicitar, poderá fazer-se acompanhar de um elemento do Grupo VITA, e aquela, à semelhança do que acontece no processo penal, poderá, também, ser acompanhada pelo seu psicólogo (na qualidade de técnico) ou por uma pessoa da sua especial confiança.
s) O Grupo VITA disponibilizará, sempre, à CD a identificação das pessoas que acompanharão a vítima.
II – APOIO PSICOLÓGICO/PSIQUIÁTRICO/ESPIRITUAL
a) Verificando-se, por parte do Grupo VITA, a indicação para apoio psicológico/psiquiátrico, a CD, e após estar na posse dos esclarecimentos que considere necessários e pertinentes solicitar ao VITA, apresentará tal pedido ao Ordinário com a informação que àquela vítima ou agressor serão disponibilizadas, e numa fase inicial, até 4 (quatro) sessões.
b) Com a aprovação do respetivo Ordinário, então, a CD fornecerá ao profissional, quer o número de identificação fiscal da entidade religiosa que suportará os pagamentos (Conferência Episcopal Portuguesa – CEP), quer o respetivo endereço eletrónico para efeitos de comunicação dos valores das consultas, pagamentos e emissões de faturas e recibos que a partir daí passarão a ser tramitados entre a CEP e o profissional.
i) A fatura-recibo deverá ser em nome da CEP, vindo o pagamento a ser efetuado por transferência bancária para a conta bancária do respetivo profissional.
ii) O endereço eletrónico e os dados para a emissão das faturas-recibos são os seguintes: cep.sgeral@ecclesia.pt; Conferência Episcopal Portuguesa, titular do NIF 500 939 500; Quinta do Bom Pastor, Estrada da Buraca, 8-12, 1549-025 Lisboa
iii) Posteriormente, a Diocese reembolsará a CEP, pelos encargos já suportados ao nível das consultas de psicologia/psiquiatria, por intermédio de transferência para a conta com o NIB 0018 0003 1381 1120 0206 2
c) Findas as primeiras sessões (e num limite máximo de quatro), o profissional apresentará um relatório que justifique, ou não, a necessidade na continuidade do acompanhamento, no pressuposto de que existe um nexo causal entre a situação traumática existente de fragilidade emocional ou psíquica atual e os atos de violência sexual perpetrados por membro do clero ou leigo com responsabilidades perante a Igreja Diocesana.
d) Na hipótese de se manter a necessidade de acompanhamento, e após validação da CD e da ECN, no prazo máximo de duas semanas, o profissional dará continuidade ao referido acompanhamento, remetendo à CD um relatório a cada seis meses, justificando a manutenção ou a cessação do apoio.
e) Na hipótese de a CD ou a ECN não ser favorável à continuidade do acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, existindo uma situação de cessação do apoio, a CEP suportará o pagamento de uma última consulta para que o profissional possa encerrar de forma ética, responsável e deontológica o acompanhamento mantido.
f) Nos casos em que o relatório do profissional, findas as sessões iniciais, não identifique um provável nexo causal entre a situação traumática de fragilidade psíquica e a violência perpetrada por membro do clero ou leigo com responsabilidades perante a Igreja Diocesana, cessa a responsabilidade da CEP na comparticipação desse acompanhamento.
g) Na situação de cessação, referida na anterior alínea e), a CD terá a responsabilidade moral de procurar encaminhar a vítima para uma estrutura de apoio psicológico existente na comunidade, desde que devidamente autorizado por aquela.
III – COMPETÊNCIA TERRITORIAL
É competente a CD e a Diocese onde o membro do Clero, ou o leigo com responsabilidades perante a Igreja Diocesana, exerce, ou exerceu, as suas funções ministeriais à data da prática do presumível delito, sem prejuízo desta Diocese acordar em transferir tal competência para a CD e respetiva Diocese onde ocorreram os presumíveis delitos. E neste caso deve ativar-se sempre a comunicação entre os diferentes Ordinários, a fim de se evitarem conflitos de competência.
IV – DELITOS DO CAMPO SEXUAL
Perante uma denúncia ao Grupo VITA em que se apure a prática de um presumível delito do campo sexual sobre quem já é maior e não é adulto vulnerável, a sinalização é remetida para o respetivo Ordinário para os fins que considerar por próprios e convenientes.
V – MEIOS À DISPOSIÇÃO DOS MEMBROS DO CLERO OU LEIGOS COM RESPONSABILIDADES PERANTE A IGREJA DIOCESANA
a) Perante uma presumível denúncia de abuso sexual de menor ou de adulto vulnerável, em que se determina o afastamento de um membro do clero ou de um leigo com responsabilidades perante a Igreja Diocesana e em que estes, num momento ulterior, regressam às funções ministeriais, recomenda-se que venha a ser condição do dito regresso ao exercício do respetivo ministério a participação num processo de avaliação psicológica.
b) Tal recomendação também se aplica aos casos em que algum membro do clero ou leigo com responsabilidades perante a Igreja Diocesana regressam ao exercício do ministério, após o cumprimento de uma pena por abuso sexual de menores ou de adultos vulneráveis.
c) O aludido processo de avaliação psicológica terá um custo que urge definir.
d) Compete à respetiva CD, em articulação com o Grupo VITA, a identificação de profissional especializado para o acompanhamento destas situações, devendo ser solicitado um relatório, finda a avaliação, com vista a apurar eventuais preocupações para o exercício do ministério e, em caso afirmativo, medidas que poderão vir a ser adotadas.