Diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa

O documento “Proteção de menores e adultos vulneráveis – Diretrizes”, aprovado a 13 de novembro de 2020 na Assembleia Plenária da CEP, entra em vigor, por decreto do seu Presidente, a 1 de janeiro de 2021, sendo publicado na página da CEP e na revista LUMEN. O novo texto, que substitui as Diretrizes de 2012, conta com a experiência eclesial de várias instituições, nomeadamente a Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores, e pretende ser um instrumento à disposição da Igreja em Portugal para a aplicação das normas pastorais e jurídicas quanto à proteção de menores e adultos vulneráveis. Os três documentos normativos apresentados em anexo das Diretrizes – “Motu Proprio” Sacramentorum sanctitatis tutela (2010) da Congregação para a Doutrina da Fé, “Motu Proprio” Vos estis lux mundi (2019) do Papa Francisco e o Vademecum da Congregação para a Doutrina da Fé (2020) – fazem parte integrante das mesmas Diretrizes.

Introdução

1. A vontade salvífica de Deus não exclui ninguém do seu amor. Pelo contrário, Deus a todos convida para que vivam em comunhão com Ele. O homem e a mulher, formados à imagem e semelhança de Deus, adquirem uma especial dignidade, não só pela sua origem, mas também e, sobretudo, pelo facto de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, ter oferecido a sua vida em resgate de todos, com a sua paixão, morte na cruz e ressurreição.

Nos Evangelhos, Jesus, não só repreende os discípulos que impediam as crianças de se aproximarem d’Ele, mas abençoa essas mesmas crianças e coloca-as como exemplo para todos os outros discípulos (cf. Mt 19,16-22; Mc 10, 13-16; 18,18-23).

A fragilidade do ser humano, a realidade do pecado e o mau uso da própria liberdade no relacionamento com os outros, entre outros fatores, são elementos antropológicos que é necessário ter em consideração no percurso de conversão pessoal, de acompanhamento e de cura, à qual Jesus Cristo convida continuamente a sua Igreja, em todos os tempos e em todos os lugares.

O menor e o adulto vulnerável são uma prioridade para a sociedade e para a Igreja. A forma firme e clara de rejeição de situações de abuso de menores e adultos vulneráveis constitui um ato de justiça e a afirmação dos valores do Evangelho em continuação da tradição cristã.

2. “As famílias devem saber que a Igreja não poupa esforços para tutelar os seus filhos e têm o direito de se dirigir a ela com plena confiança, porque é uma casa segura.”[1] Incentivados pelas palavras do Papa Francisco, e em conformidade com as recomendações da Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa assume, como sua missão, promover, de um modo eficaz e concreto, um ambiente são e seguro para todos, mas particularmente para os mais jovens, os mais indefesos e aqueles que mais necessitam de proteção. A Igreja em Portugal continua a ouvir o apelo de Jesus dirigido aos Apóstolos: “Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino dos Céus” (Mt 19, 14).

3. Os Bispos portugueses desejam reiterar um renovado compromisso de fazer tudo o que esteja ao seu alcance para que os fiéis, a começar pelas crianças, adolescentes, jovens e pelos mais vulneráveis, possam encontrar na Igreja um ambiente sadio e seguro, onde o encontro com Deus, com a sua Palavra e com a sua presença viva e real na Eucaristia possam transmitir a sua graça e beleza sem quaisquer obstáculos.

4. Estas Diretrizes pretendem ser um instrumento à disposição da Igreja em Portugal para a aplicação das normas pastorais e jurídicas publicadas desde 2012, ano em que a Conferência Episcopal Portuguesa emanou as “Diretrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores por parte de membros do clero ou praticados no âmbito da atividade de pessoas jurídicas canónicas”. Este texto, tendo por base essas mesmas Diretrizes, foi enriquecido pela experiência eclesial de várias instituições, nomeadamente da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores.

 5. Como orientações, as presentes Diretrizes não esgotam nem podem em caso algum esgotar os comportamentos a adotar em cada caso concreto, de acordo com uma sã e correta consciência, formada nos valores do Evangelho.

 

Princípios inspiradores

6. Não há palavras que possam descrever a abominável realidade do abuso sexual de menores e de adultos vulneráveis, e as terríveis consequências que esta realidade teve e continua a ter na vida das vítimas desses abusos. Esta dramática realidade não tem lugar apenas na Igreja, mas esta recebe o convite do Papa a encontrar os instrumentos mais eficazes e duradouros para que, no seu seio, todos os fiéis e os homens e mulheres de boa vontade possam encontrar refúgio seguro. Pela fé e pelos ensinamentos de Jesus Cristo, sabemos que até as realidades mais cruéis e inexplicavelmente duras se podem e devem abrir à esperança.

7. Estas Diretrizes procuram, em primeiro lugar, colocar diante dos olhos de todos aqueles que, na Igreja, exercem alguma função ou prestam a sua colaboração, a necessidade de, com o seu testemunho de vida e com a prática de uma caridade viva inspirada no modelo que é Jesus Cristo, promoverem condutas que assegurem a todos um ambiente absolutamente seguro, transparente, alegre e cheio de esperança.

8. Tendo em conta o Magistério pontifício mais recente, são princípios inspiradores destas Diretrizes:

a) a certeza de que, mesmo nos momentos mais difíceis e complexos, Jesus Cristo nunca abandona o seu Povo. Desse modo, são perenemente atuais as palavras do Papa Francisco: “convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar.”[2]

b) a necessidade de uma especial proteção para os menores e os mais vulneráveis, os quais merecem ser tutelados por todos os meios à disposição, não só da Igreja, mas também da sociedade, dando especial importância à colaboração com as autoridades civis e recorrendo a especialistas qualificados de várias áreas disciplinares;

c) a urgência de promover uma formação específica dirigida aos agentes pastorais, aos que lidam com menores e adultos vulneráveis e aos que tutelam a proteção de menores em todos os níveis da ação eclesial;

d) a necessidade de tratar, com mecanismos eficazes, todos os casos de abuso sexual de menores e de adultos vulneráveis, desde o momento da sua sinalização ou denúncia até à conclusão dos procedimentos canónicos, civis e pastorais previstos;

e) a importância de dar prioridade à prevenção de abusos, não só dentro do espaço eclesial, mas dentro da sociedade civil na qual a Igreja em Portugal está inserida.

 

Âmbito de Aplicação

9. Estas Diretrizes têm como objetivo explicitar e aplicar a atual normativa canónica e as indicações pastorais do Magistério pontifício mais recente ao âmbito da vida, das instituições e das iniciativas da Igreja Católica em Portugal naquilo que se refere à proteção e tutela dos menores e dos adultos vulneráveis. Por conseguinte, estão sujeitas a estas Diretrizes:

a) As Dioceses, Paróquias, pessoas jurídicas canónicas e demais instituições eclesiais, incluindo os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica;

b) Outras instituições não contempladas na alínea anterior, na medida em que exerçam a sua atividade eclesial em território português;

c) Todos os clérigos, religiosos/as e leigos/as consagrados/as a exercer o seu ministério e a sua atividade pastoral em território português;

d) Os leigos/as, na medida em que participem no âmbito das iniciativas ou atividades promovidas pela Igreja Católica em Portugal ou por alguma das entidades referidas nas alíneas a) e b).

 

10. Este documento não pretende substituir, mas sim ampliar o horizonte dos procedimentos canónicos já previstos para o tratamento de casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis, que estão previstos no Código de Direito Canónico, no “Motu Proprio” Sacramentorum sanctitatis tutela, no “Motu Proprio” Vos estis lux mundi e outras normas canónicas, descritas com detalhe no Vademecum publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé a 16 de julho de 2020 e que se encontram em anexo a estas Diretrizes.

 

A formação dos candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada

11. Em conformidade com quanto previsto nas Diretrizes anteriores da Conferência Episcopal Portuguesa, devem adotar-se os meios necessários para o conhecimento aprofundado das pessoas que se apresentam como candidatas ao sacerdócio e à vida consagrada no âmbito eclesial e ter-se um cuidado particular na sua admissão aos seminários e a outras casas de formação. Em todo este processo de discernimento vocacional, tenham-se em conta os documentos mais recentes do Magistério da Igreja, nomeadamente a nova Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis.

12. Os responsáveis pela pastoral vocacional e todos os formadores dos seminários e dos institutos de vida consagrada estarão especialmente disponíveis para oferecer o apoio psicológico e espiritual, dentro dos limites das suas competências, promovendo um saudável amadurecimento psicológico e afetivo dos formandos e dos seminaristas ao ministério ordenado e à vida consagrada, tanto no processo de admissão como nas várias etapas de formação.

 

Agentes Pastorais

13. Por agentes pastorais entendem-se aqueles que estão referidos no n. 9, c) e d) destas Diretrizes. A escolha de agentes pastorais, sejam eles clérigos ou leigos, deve passar a contar, onde isso ainda não acontece, com uma análise da idoneidade dos candidatos a interagirem com menores e adultos vulneráveis, sem descartar a possibilidade de requerer atestados civis ou certidões de registo criminal.

14. Os agentes pastorais devem receber, por parte das instituições que servem, uma formação adequada sobre:

a) como prevenir o abuso sexual de menores e adultos vulneráveis;

b) como identificar possíveis casos e como agir de modo a que esses casos sejam tratados pela autoridade competente;

c) como promover um ambiente sadio dentro das atividades promovidas pela Igreja, recorrendo a mecanismos que defendam os menores e adultos vulneráveis, nomeadamente em cumprir as boas práticas recomendadas pelas autoridades canónicas e civis no trato com esses menores e adultos vulneráveis.

15. Os colaboradores ocasionais nas atividades e iniciativas eclesiais devem ter à sua disposição informação sobre como interagir com menores e adultos vulneráveis. Esta informação deve abordar não só os comportamentos que sejam proibidos, mas também promover uma conduta que, de modo positivo, valorize uma interação segura e respeitadora dos menores e adultos vulneráveis.

 

Atividades Pastorais

16. As atividades pastorais da Igreja Católica têm, como principal objetivo, anunciar o Evangelho vivo e belo, revelado por Jesus Cristo com as suas palavras e obras. Por conseguinte, nas atividades pastorais nas quais tomem parte menores e adultos vulneráveis, tutelar a sua segurança deve ser uma prioridade de todos. Assim, nas atividades da Igreja Católica, os agentes pastorais, clérigos ou leigos, deverão sempre:

a) ser prudentes e mostrar um profundo respeito para com os menores e adultos vulneráveis;

b) oferecer-lhes um modelo e um testemunho vivo de fé, esperança e caridade;

c) estar em lugares visíveis a outras pessoas quando estejam com menores e adultos vulneráveis;

d) informar os responsáveis pela atividade sobre qualquer comportamento potencialmente perigoso;

e) respeitar sempre e acima de tudo a esfera de intimidade de cada menor e adulto vulnerável;

f) manter os pais ou legítimos tutores dos menores e adultos vulneráveis informados sobre as atividades desenvolvidas e o modo como se realizarão;

g) usar a necessária prudência ao comunicar com menores e adultos vulneráveis, quer de modo presencial, quer recorrendo a meios telefónicos, digitais ou outros.

 

17. Aos agentes pastorais, na sua relação com menores ou adultos vulneráveis, é absolutamente proibido:

a) aplicar qualquer tipo de castigo corporal a menores e adultos vulneráveis;

b) colocar um menor ou adulto vulnerável numa situação potencialmente perigosa para a sua segurança física ou psíquica;

c) entrar em contacto com um menor ou adulto vulnerável de modo ofensivo ou ter comportamentos inapropriados ou com conotações sexuais, sejam essas conotações explícitas ou dissimuladas;

d) estabelecer um contacto ou relacionamento preferencial com um menor ou adulto vulnerável;

e) discriminar um menor e adulto vulnerável ou um grupo de menores e adultos vulneráveis;

f) pedir a um menor ou adulto vulnerável para guardar segredo sobre possíveis comportamentos inadequados;

g) fotografar ou filmar um menor ou adulto vulnerável sem o consentimento dado por escrito pelos pais ou tutores;

h) publicar, por qualquer meio físico ou digital, imagens onde seja possível identificar um ou mais menores ou adultos vulneráveis sem o consentimento dos pais ou tutores.

 

18. As atividades pastorais devem ter lugar em locais adaptados às idades e à situação dos menores e adultos vulneráveis. Na medida do possível, os agentes pastorais deverão procurar que os menores e adultos vulneráveis não entrem nem permaneçam em lugares escondidos ou fora do seu alcance.

19. Possíveis comportamentos inapropriados entre menores ou de bullying entre eles devem ser imediatamente resolvidos com equilíbrio e prudência, informando imediatamente os pais ou tutores e envolvendo-os sempre nos processos de resolução deste tipo de situações.

20. Em todas as atividades pastorais promovidas pelas entidades referidas no n. 9, a), é indispensável que os pais ou tutores dos menores e adultos vulneráveis concedam autorização. Para as atividades extraordinárias requer-se autorização por escrito, para que os menores possam participar nelas. Os pais ou tutores recebam informação sobre a atividade proposta, sobre os responsáveis da atividade e sobre os contatos desses responsáveis.

21. O consentimento prestado por escrito é necessário para poder fotografar ou filmar os menores e pessoas vulneráveis e para publicar essas fotografias ou filmes, de modo físico ou digital, por qualquer modo ou meio.

22. Todos estes mecanismos devem respeitar a normativa canónica e civil aplicáveis, nomeadamente no que se refere ao tratamento e proteção dos dados de todos os envolvidos.

 

Comissões Diocesanas

23. Cada Bispo dote a Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis de pessoas verdadeiramente especialistas nas várias áreas que envolvem a prevenção, formação, acompanhamento e escuta, tanto dos menores e adultos vulneráveis como dos seus responsáveis.

24. Cada Comissão Diocesana tenha regulamento de funcionamento próprio, que determine as suas competências, a periodicidade dos seus encontros e os seus objetivos, tendo em conta a realidade própria de cada Diocese.

25. A Conferência Episcopal procure manter-se informada das atividades de cada Comissão e, na medida das suas possibilidades, unir esforços entre elas, de modo a que o trabalho de cada Comissão Diocesana possa ser realizado em conjunto com outras entidades eclesiais e civis. Entre as possíveis iniciativas promovidas pela Conferência Episcopal, podem incluir-se encontros de formação e de partilha de experiências, a possível elaboração de manuais de boas práticas a serem implementados pelas entidades eclesiais onde ainda não existam e outras iniciativas semelhantes.

 

Prevenção de casos de abuso

26. Sem detrimento da necessidade de tratar os casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis que venham a ocorrer dentro do âmbito eclesial, a prioridade da Conferência Episcopal Portuguesa e de todas as instituições eclesiais há de ser a prevenção desses abusos, também os que acontecem por meios digitais. Por conseguinte, é necessário promover programas de formação adequados, recorrendo a especialistas das várias áreas de tutela e proteção de menores e adultos vulneráveis, que sejam verdadeiramente peritos e respeitadores de uma antropologia que não negue os princípios cristãos.

27. A Igreja, a nível local, procure estabelecer parcerias em colaboração com outras instituições, no âmbito da educação, da assistência social e da cultura de modo a fomentar, em toda a sociedade, uma consciencialização da necessidade de prevenir comportamentos de risco no que se refere à proteção de menores e adultos vulneráveis.

 

Tratamento de casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis

28. O modo de tratar os possíveis casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis está amplamente previsto no Vademecum publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé, o qual deve ser integralmente aplicado. Aquilo que estas Diretrizes salientam é um renovado compromisso, por parte de todos os membros da Igreja, em estarem disponíveis para escutar, acompanhar e garantir uma adequada assistência médica, espiritual e social às vítimas dos abusos e aos seus familiares, no âmbito das atividades eclesiais.

29. Como tem sido prática até agora, a Igreja cooperará com a sociedade e com as respetivas autoridades civis; tomará em atenção todas as sinalizações que lhe cheguem e responderá com transparência e prontidão às autoridades competentes em qualquer situação relacionada com abuso de menores, na salvaguarda dos direitos das pessoas, incluindo o seu bom nome e o princípio da presunção de inocência.

 

Promulgação

30. As presentes Diretrizes sobre a proteção de menores e adultos vulneráveis entrarão em vigor por meio de Decreto do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, depois de aprovadas nos termos dos Estatutos da Conferência Episcopal Portuguesa.

Fátima, 13 de novembro de 2020

 

[1] Papa Francisco, Carta sobre a Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores, 02.02.2015.

[2] Papa Francisco, Exortação apostólica Evangelii gaudium (24.11.2013), n. 3.

 


Anexo 1 das Diretrizes da CEP

 Congregação para a Doutrina da Fé

Modificações introduzidas na Carta Apostólica em forma de «Motu Proprio»

Sacramentorum sanctitatis tutela de 30 de abril de 2001

(Normas substanciais e processuais atualizadas a 21 de maio de 2010)

 

Primeira Parte

NORMAS SUBSTANCIAIS

Art. 1

§1. A Congregação para a Doutrina da Fé, nos termos do art. 52 da Constituição Apostólica Pastor bonus, julga os delitos contra a fé e os delitos mais graves cometidos contra os costumes ou na celebração dos sacramentos e, se for o caso, procede a declarar ou a infligir as sanções canónicas nos termos do direito, quer comum quer próprio, salva a competência da Penitenciaria Apostólica e salvaguardando a Agendi ratio in doctrinarum examine.

§2. Nos delitos a que se refere o §1, por mandato do Romano Pontífice, a Congregação para a Doutrina da Fé tem o direito de julgar os Padres Cardeais, os Patriarcas, os Legados da Sé Apostólica, os Bispos, assim como as outras pessoas físicas a que se refere o cân. 1405 §3 do Código de Direito Canónico e o cân. 1061 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

§3. A Congregação para a Doutrina da Fé julga os delitos reservados que constam no §1 nos termos dos artigos seguintes.

 

Art. 2

§1. Os delitos contra a fé, a que se refere o art. 1, são a heresia, a apostasia e o cisma, nos termos dos câns. 751 e 1364 do Código de Direito Canónico e dos câns. 1436 e 1437 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

§2. Os casos a que se refere o §1, nos termos do direito compete ao Ordinário ou ao Hierarca anular, se necessário, a excomunhão latae sententiaee realizar o processo judiciário em primeira instância ou extrajudiciário por decreto, salvo o direito de apelo ou de recurso à Congregação para a Doutrina da Fé.

 

Art. 3

§1. Os delitos mais graves contra a santidade do augustíssimo Sacrifício e sacramento da Eucaristia reservados ao julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé são:

1º a ablação ou a conservação para fins sacrílegos, ou a profanação das espécies consagradas, a que se refere o cân. 1367 do Código de Direito Canónico e o cân. 1442 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;

2º a tentada ação litúrgica do Sacrifício eucarístico segundo o cân. 1378 §2 n. 1 do Código de Direito Canónico;

3º a simulação da ação litúrgica do Sacrifício eucarístico segundo o cân. 1379 do Código de Direito Canónico e o cân. 1443 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;

4º a concelebração do Sacrifício eucarístico proibida pelo cân. 908 do Código de Direito Canónico e pelo cân. 702 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, a que se refere o cân. 1365 do Código de Direito Canónico e o cân. 1440 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, juntamente com os ministros das comunidades eclesiais que não têm a sucessão apostólica e não reconhecem a dignidade sacramental da ordenação sacerdotal.

§2. Está reservado à Congregação para a Doutrina da Fé também o delito que consiste na consagração para fim sacrílego de uma só matéria ou de ambas, na celebração eucarística ou fora dela. Quem comete este delito seja punido segundo a gravidade do crime, sem excluir a demissão ou a deposição.

 

Art. 4

§1. Os delitos mais graves contra a santidade do sacramento da Penitência reservados ao julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé são:

1º a absolvição do cúmplice no pecado contra o sexto mandamento do Decálogo, a que se refere o cân. 1378 §1 do Código de Direito Canónico e o cân. 1457 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;

2º a tentada absolvição sacramental ou a escuta proibida da confissão a que se refere o cân. 1378 §2, 2º do Código de Direito Canónico;

3º a simulação da absolvição sacramental a que se refere o cân. 1379 do Código de Direito Canónico e o cân. 1443 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais;

4º a solicitação ao pecado contra o sexto mandamento do Decálogo no ato ou por ocasião ou com o pretexto da confissão, a que se refere o cân. 1387 do Código de Direito Canónico e o cân. 1458 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, se destinada ao pecado com o mesmo confessor;

5º a violação direta e indireta do sigilo sacramental, de que fala o cân. 1388 §1 do Código de Direito Canónico e o cân. 1456 §1 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

 

§2. Sem alterar quanto disposto no §1 n. 5, à Congregação para a Doutrina da Fé fica reservado também o delito mais grave que consiste no registo, feito com qualquer meio técnico, ou na divulgação com os meios de comunicação social realizada com malícia, de quanto é dito pelo confessor ou pelo penitente na confissão sacramental, verdadeira ou falsa. Aquele que comete este delito seja punido segundo a gravidade do crime, sem excluir a demissão ou a deposição, se é um clérigo.

 

Art. 5

À Congregação para a Doutrina da Fé é reservado também o delito mais grave de tentada sagrada ordenação de uma mulher:

1º ficando estabelecido quanto disposto no cân. 1378 do Código de Direito Canónico, quer quem tenta conferir a ordem sagrada, quer a mulher que tenta a receção da ordem sagrada, incorrem na excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica;

2º depois se quem tenta conferir a ordem sagrada ou a mulher que tenta a receção da ordem sagrada for um cristão sujeito ao Código dos Cânones das Igrejas Orientais, ficando estabelecido quanto disposto no cân. 1443 do mesmo Código, seja punido com a excomunhão maior, cuja remissão também é reservada à Sé Apostólica;

3º se depois o réu é um clérigo, pode ser punido com a demissão ou com a deposição.

 

Art. 6

§1. Os delitos mais graves contra os costumes, reservados ao julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé, são:

1º o delito contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de dezoito anos; neste número, é equiparada ao menor a pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão;

2º a aquisição ou a detenção ou a divulgação, para fins de libidinagem, de imagens pornográficas de menores com idade inferior aos catorze anos por parte de um clérigo, de qualquer modo e com qualquer instrumento.

§2. O clérigo que pratica os delitos a que se refere o §1 seja punido segundo a gravidade do crime, não excluída a demissão ou a deposição.

 

Art. 7

§1. Salvaguardando o direito da Congregação para a Doutrina da Fé de derrogar a prescrição para cada um dos casos, a ação criminal relativa aos delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé extingue-se por prescrição em vinte anos.

§2. A prescrição decorre segundo o cân. 1362 §2 do Código de Direito Canónico e do cân. 1152 §3 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais. Mas no delito a que se refere o art. 6 §1 n. 1, a prescrição começa a decorrer a partir do dia em que o menor completou dezoito anos.

 

Segunda Parte
NORMAS PROCESSUAIS

 

TÍTULO I
Constituição e competência do Tribunal

Art. 8

§1. A Congregação para a Doutrina da Fé é o Supremo Tribunal Apostólico para a Igreja Latina, assim como para as Igrejas Orientais Católicas, para julgar os delitos definidos nos artigos precedentes.

§2. Este Supremo Tribunal julga também os outros delitos, dos quais o réu é acusado pelo Promotor de Justiça, em virtude da conexão da pessoa e da cumplicidade.

§3. As sentenças deste Supremo Tribunal, emitidas nos limites da própria competência, não estão sujeitas à aprovação do Sumo Pontífice.

 

Art. 9

§1. Os juízes deste Supremo Tribunal são, pelo mesmo direito, os Padres da Congregação para a Doutrina da Fé.

§2. Preside o Colégio dos Padres, como primeiro entre iguais, o Prefeito da Congregação e, em caso de vacância ou de impedimento do Prefeito, desempenha o cargo o Secretário da Congregação.

§3. Compete ao Prefeito da Congregação nomear também os outros juízes estabelecidos ou encarregados.

 

Art. 10

É necessário que sejam nomeados juízes sacerdotes de idade madura, munidos de doutoramento em direito canónico, de bons costumes, sobretudo que se distinguem por prudência e experiência jurídica, mesmo se exercem contemporaneamente o cargo de juiz ou de consultor noutro Organismo da Cúria Romana.

 

Art. 11

Para apresentar ou defender a acusação, é constituído um Promotor de Justiça, que deve ser sacerdote, munido de doutoramento em direito canónico, de bons costumes, que se distinga particularmente por prudência e experiência jurídica, que desempenhe o seu cargo em todos os graus de juízo.

 

Art. 12

Para as tarefas de Notário e de Chanceler são designados sacerdotes, quer Oficiais desta Congregação, quer externos.

 

Art. 13

Desempenha a função de Advogado e Procurador um sacerdote, munido de doutoramento em direito canónico, que é aprovado pelo Presidente do colégio.

 

Art. 14

Além disso, nos outros Tribunais, para as causas a que se referem as presentes normas, podem desempenhar validamente os cargos de Juiz, Promotor de Justiça, Notário e Patrono apenas sacerdotes.

 

Art. 15

Ficando estabelecido quanto prescrito pelo cân. 1421 do Código de Direito Canónico e pelo cân. 1087 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, à Congregação para a Doutrina da Fé é lícito conceder as dispensas dos requisitos do sacerdócio, assim como do doutoramento em direito canónico.

 

Art. 16

Todas as vezes que o Ordinário ou o Hierarca recebe a notícia, pelo menos verosímil, de um delito mais grave, realizada a averiguação prévia, a dê a conhecer à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual, se não avoca para si a causa por circunstâncias particulares, ordena ao Ordinário ou ao Hierarca que proceda ulteriormente, ficando estabelecido, contudo, se necessário, o direito de apelo contra a sentença de primeiro grau apenas ao Supremo Tribunal da mesma Congregação.

 

Art. 17

Se o caso for entregue diretamente à Congregação, sem fazer a averiguação prévia, os preliminares do processo, que por direito comum competem ao Ordinário ou ao Hierarca, podem ser feitos pela mesma Congregação.

 

Art. 18

A Congregação para a Doutrina da Fé, nas causas a ela legitimamente entregues, pode sanar os atos, salvaguardando o direito à defesa, se foram violadas leis meramente processuais por parte dos Tribunais inferiores que agem por mandato da mesma Congregação ou segundo o art. 16.

 

Art. 19

Salvaguardando o direito do Ordinário ou do Hierarca, desde o início da averiguação prévia, de impor quanto estabelecido no cân. 1722 do Código de Direito Canónico ou no cân. 1473 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, também o Presidente de turno do Tribunal, por solicitação do Promotor de Justiça, tem o mesmo poder com as mesmas condições determinadas nos mencionados cânones.

 

Art. 20

O Supremo Tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé julga em segunda instância:

1º as causas julgadas em primeira instância pelos Tribunais inferiores;

2º as causas definidas em primeira instância pelo mesmo Supremo Tribunal Apostólico.

 

TÍTULO II
A ordem judiciária

Art. 21

§1. Os delitos mais graves reservados à Congregação para a Doutrina da Fé devem ser prosseguidos em processo judiciário.

§2. Contudo, à Congregação para a Doutrina da Fé é lícito:

1º em cada caso, por competência ou por solicitação do Ordinário ou do Hierarca, decidir proceder por decreto extrajudiciário, segundo o cân. 1720 do Código de Direito Canónico e o cân. 1486 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais; contudo, com o propósito de que as penas expiatórias perpétuas sejam infligidas unicamente por mandato da Congregação para a Doutrina da Fé;

2º remeter diretamente à decisão do Sumo Pontífice em mérito à demissão do estado clerical ou à deposição, juntamente com a dispensa da lei do celibato, os casos mais graves quando consta manifestamente a prática do delito, depois de ter sido dado ao réu a faculdade de se defender.

 

Art. 22

Para julgar uma causa, o Prefeito constitua um Turno de três ou de cinco juízes.

 

Art. 23

Se, no grau de apelo, o Promotor de Justiça apresenta uma acusa especificamente diversa, este Supremo Tribunal pode admiti-la e julgá-la, como se fosse em primeira instância.

 

Art. 24

§1. Nas causas para os delitos aos quais se refere o art. 4 §1, o Tribunal não pode tornar público o nome do denunciante, nem ao acusado, nem ao seu Patrono, se o denunciante não deu expresso consentimento.

§2. O mesmo Tribunal deve avaliar com particular atenção a credibilidade do denunciante.

§3. Contudo, é preciso providenciar a que seja evitado absolutamente qualquer perigo de violação do sigilo sacramental.

 

Art. 25

Se sobressai uma questão acidental, o Colégio defina o caso por decreto com a máxima rapidez.

 

Art. 26

§1. Salvaguardando o direito de apelo a este Supremo Tribunal, terminada de qualquer modo a instância noutro Tribunal, todas as atas da causa devem ser transmitidas por competência quanto antes à Congregação para a Doutrina da Fé.

§2. O direito do Promotor de Justiça da Congregação de impugnar a sentença decorre a partir do dia em que a sentença de primeira instância foi notificada ao mesmo Procurador.

 

Art. 27

Contra as atas administrativas singulares emitidas ou aprovadas pela Congregação para a Doutrina da Fé nos casos dos delitos reservados, admite-se o recurso, apresentado no prazo perentório de sessenta dias úteis, à Congregação Ordinária (ou seja, Feria IV) da mesma Congregação, a qual julga o mérito e a legitimidade, eliminando qualquer ulterior recurso a que se refere o art. 123 da Constituição Apostólica Pastor bonus.

 

Art. 28

A questão passa em julgado:

1º se a sentença foi emitida em segunda instância;

2º se o apelo contra a sentença não foi interposto no prazo de um mês;

3º se, em grau de apelo, a instância prescreveu ou se renunciou a ela;

4º se foi emitida uma sentença nos termos do art. 20.

 

Art. 29

§1. As despesas judiciárias devem ser pagas segundo quanto estabelecido pela sentença.

§2. Se o réu não puder pagar as despesas, elas devem ser pagas pelo Ordinário ou pelo Hierarca da causa.

 

Art. 30

§1. As causas deste género são sujeitas ao segredo pontifício.

§2. Quem quer que viole o segredo ou, por dolo ou negligência grave, cause qualquer dano ao acusado ou às testemunhas, a pedido da parte lesada ou também por competência seja punido pelo Tribunal superior com penas côngruas.

 

Art. 31

Nestas causas, juntamente com as prescrições destas normas, às quais são obrigados todos os Tribunais da Igreja Latina e das Igrejas Orientais Católicas, devem-se aplicar também os cânones sobre os delitos e as penas e sobre o processo penal de ambos os Códigos.

 


Anexo 2 das Diretrizes da CEP 

Papa Francisco 

Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio “Vos Estis Lux Mundi”

«Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte» (Mt 5,14). Nosso Senhor Jesus Cristo chama cada fiel a ser exemplo luminoso de virtude, integridade e santidade. Com efeito, todos nós somos chamados a dar testemunho concreto da fé em Cristo na nossa vida e, de modo particular, na nossa relação com o próximo.

Os crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis. Para que tais fenómenos, em todas as suas formas, não aconteçam mais, é necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por ações concretas e eficazes que envolvam a todos na Igreja, de modo que a santidade pessoal e o empenho moral possam concorrer para fomentar a plena credibilidade do anúncio evangélico e a eficácia da missão da Igreja. Isto só se torna possível com a graça do Espírito Santo derramado nos corações, porque sempre nos devemos lembrar das palavras de Jesus: «Sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5). Embora já muito se tenha feito, devemos continuar a aprender das lições amargas do passado a fim de olhar com esperança para o futuro.

Esta responsabilidade recai, em primeiro lugar, sobre os sucessores dos Apóstolos, colocados por Deus no governo pastoral do seu povo, e exige deles o empenho de seguir de perto os passos do Divino Mestre. Na realidade, em virtude do seu ministério, eles regem «as Igrejas particulares que lhes foram confiadas como vigários e legados de Cristo, por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado, que exercem unicamente para edificar o próprio rebanho na verdade e na santidade, lembrados de que aquele que é maior se deve fazer como o menor, e o que preside como aquele que serve» (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 27). E aquilo que de forma mais impelente diz respeito aos sucessores dos Apóstolos concerne a todos aqueles que, de diferentes maneiras, assumem ministérios na Igreja, professam os conselhos evangélicos ou são chamados a servir o povo cristão. Por isso, é bom que se adotem, a nível universal, procedimentos tendentes a prevenir e contrastar estes crimes que atraiçoam a confiança dos fiéis.

Desejo que este compromisso se implemente de forma plenamente eclesial e, por conseguinte, seja expressão da comunhão que nos mantém unidos, na escuta mútua e aberta às contribuições de todos aqueles que têm a peito este processo de conversão.

Por isso estabeleço:

TÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º
Âmbito de aplicação

§1. Estas normas aplicam-se em caso de denúncias relativas a clérigos ou a membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica e concernentes a:

a) delitos contra o sexto mandamento do Decálogo que consistam:

  1. em forçar alguém, com violência, ameaça ou abuso de autoridade, a realizar ou sofrer atos sexuais;
  2. em realizar atos sexuais com um menor ou comum a pessoa vulnerável;
  3. na produção, exibição, posse ou distribuição, inclusive por via telemática, de material pornográfico infantil, bem como no recrutamento ou indução de um menor ou de uma pessoa vulnerável a participar em exibições pornográficas;

b) em condutas realizadas pelos sujeitos a que se refere o artigo 6.º, consistindo em ações ou omissões tendentes a interferir ou contornar as investigações civis ou as investigações canónicas, administrativas ou criminais, contra um clérigo ou um religioso relativas aos delitos a que se refere a alínea a) deste parágrafo.

 

§2. Para efeitos destas normas, entende-se por:

a) «menor»: toda a pessoa que tiver idade inferior a dezoito anos, ou a ela equiparada por lei;

b) «pessoa vulnerável»: toda a pessoa em estado de enfermidade, deficiência física ou psíquica, ou de privação da liberdade pessoal que de facto, mesmo ocasionalmente, limite a sua capacidade de entender ou querer ou, em todo o caso, de resistir à ofensa;

c) «material pornográfico infantil»: qualquer representação de um menor, independentemente do meio utilizado, envolvido em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, e qualquer representação de órgãos sexuais de menores para fins predominantemente sexuais.

 

Artigo 2.º
Receção das denúncias e proteção dos dados

§1. Tendo em conta as indicações eventualmente adotadas pelas respetivas Conferências Episcopais, pelos Sínodos dos Bispos das Igrejas Patriarcais e das Igrejas Arquiepiscopais Maiores, ou pelos Conselhos dos Hierarcas das Igrejas Metropolitanas sui iuris, as Dioceses ou as Eparquias, individualmente ou em conjunto, devem estabelecer, dentro de um ano a partir da entrada em vigor destas normas, um ou mais sistemas estáveis e facilmente acessíveis ao público para apresentar as denúncias, inclusive através da instituição de uma peculiar repartição eclesiástica. As Dioceses e as Eparquias informam o Representante Pontifício que foram instituídos os sistemas referidos neste parágrafo.

§2. As informações a que se refere este artigo são tuteladas e tratadas de forma a garantir a sua segurança, integridade e confidencialidade nos termos dos cânones 471-2.º CIC e 244-§2, 2.º CCEO.

§3. Ressalvado o disposto no artigo 3.º-§3, o Ordinário que recebeu a denúncia transmite-a sem demora ao Ordinário do lugar onde teriam ocorrido os factos, bem como ao Ordinário próprio da pessoa indicada, os quais procedem de acordo com o direito segundo o previsto para o caso específico.

§4. Para efeitos deste título, são equiparadas às Dioceses as Eparquias, e ao Ordinário é equiparado o Hierarca.

 

Artigo 3.º
Denúncia

§1. Exceto nos casos previstos nos cânones 1548-§2 CIC e 1229-§2 CCEO, sempre que um clérigo ou um membro dum Instituto de Vida Consagrada ou duma Sociedade de Vida Apostólica saiba ou tenha fundados motivos para supor que foi praticado um dos factos a que se refere o artigo 1.º, tem a obrigação de comunicar prontamente o facto ao Ordinário do lugar onde teriam ocorrido os factos ou a outro Ordinário dentre os referidos nos cânones 134 CIC e 984 CCEO, ressalvado o estabelecido no §3 deste artigo.

§2. Qualquer pessoa pode apresentar uma denúncia respeitante às condutas a que se refere o artigo 1.º, servindo-se das modalidades referidas no artigo anterior ou de qualquer outro modo apropriado.

§3. Quando a denúncia diz respeito a uma das pessoas indicadas no artigo 6.º, a mesma é encaminhada para a autoridade individuada com base nos artigos 8.º e 9.º A denúncia pode sempre ser dirigida à Santa Sé, diretamente ou através do Representante Pontifício.

§4. A denúncia contém os elementos o mais possível detalhados, tais como indicações de tempo e local dos factos, das pessoas envolvidas ou informadas, bem como qualquer outra circunstância que possa ser útil para assegurar uma cuidadosa avaliação dos factos.

§5. As informações podem também ser adquiridas ex officio.

 

Artigo 4.º
Tutela de quem faz a denúncia

§1. O facto de fazer uma denúncia, como estabelece o artigo 3.º, não constitui uma violação do sigilo profissional.

§2. Ressalvado quanto previsto no cânone 1390 CIC e nos cânones 1452 e 1454 CCEO, são proibidos e podem abranger a conduta referida no artigo 1.º-§1, alínea b), danos, retaliações ou discriminações pelo facto de ter feito uma denúncia.

§3. A quem faz uma denúncia, não pode ser imposto qualquer ónus de silêncio a respeito do conteúdo da mesma.

 

Artigo 5.º
Cuidados prestados às pessoas

§1. As autoridades eclesiásticas empenham-se para que sejam tratados com dignidade e respeito quantos afirmam que foram ofendidos, juntamente com as suas famílias, e proporcionam-lhes em particular:

a) acolhimento, escuta e acompanhamento, inclusive através de serviços específicos;

b) assistência espiritual;

c) assistência médica, terapêutica e psicológica de acordo com o caso específico.

§2. São tuteladas a imagem e a esfera privada das pessoas envolvidas, bem como a confidencialidade dos dados pessoais.

 

TÍTULO II
DISPOSIÇÕES RELATIVAS AOS BISPOS E EQUIPARADOS 

Artigo 6.º
Âmbito subjetivo de aplicação

As normas processuais a que alude este título dizem respeito às condutas referidas no artigo 1.º, implementadas por:

a) Cardeais, Patriarcas, Bispos e Legados do Romano Pontífice;

b) clérigos que se ocupam ou ocuparam do governo pastoral duma Igreja particular ou duma entidade a ela assimilada, latina ou oriental, incluindo os Ordinariatos pessoais, pelos factos praticados durante munere;

c) clérigos que se ocupam ou ocuparam do governo pastoral de uma Prelatura pessoal, pelos factos praticados durante munere;

d) aqueles que são ou foram Moderadores supremos de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica de direito pontifício, bem como de Mosteiros sui iuris, pelos factos praticados durante munere.

 

Artigo 7.º
Dicastério competente

§1. Para efeitos deste título, entende-se por «Dicastério competente» a Congregação para a Doutrina da Fé, para os delitos a ela reservados pelas normas em vigor, bem como, em todos os outros casos, naquilo que é da respetiva competência estabelecida na lei própria da Cúria Romana:

– a Congregação para as Igrejas Orientais;
– a Congregação para os Bispos;
– a Congregação para a Evangelização dos Povos;
– a Congregação para o Clero;
– a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

§2. A fim de se assegurar a melhor coordenação, o Dicastério competente informa a Secretaria de Estado e os outros Dicastérios diretamente interessados acerca da denúncia e do resultado da investigação.

§3. As comunicações previstas neste título, entre o Metropolita e a Santa Sé, realizam-se através do Representante Pontifício.

 

Artigo 8.º
Procedimento aplicável em caso de denúncia relativa a um Bispo da Igreja Latina

§1. A autoridade que recebe uma denúncia transmite-a quer à Santa Sé quer ao Metropolita da Província Eclesiástica onde tem domicílio a pessoa indicada.

§2. No caso da denúncia se referir ao Metropolita ou estiver vacante a Sé Metropolitana, aquela será transmitida à Santa Sé, bem como ao Bispo sufragâneo mais antigo por promoção, a quem, neste caso, se aplicam as sucessivas disposições relativas ao Metropolita.

§3. No caso da denúncia se referir a um Legado Pontifício, a mesma é transmitida diretamente à Secretaria de Estado.

 

Artigo 9.º
Procedimento aplicável a Bispos das Igrejas Orientais

§1. No caso de denúncias contra um Bispo de uma Igreja Patriarcal, Arquiepiscopal Maior ou Metropolitana sui iuris, a mesma é transmitida ao respetivo Patriarca, Arcebispo Maior ou Metropolita da Igreja sui iuris.

§2. Se a denúncia se referir a um Metropolita de uma Igreja Patriarcal ou Arquiepiscopal Maior, que exerce o seu cargo dentro do território destas Igrejas, aquela é transmitida ao respetivo Patriarca ou Arcebispo Maior.

§3. Nos casos anteriores, a autoridade que recebeu a denúncia transmite-a também à Santa Sé.

§4. Se a pessoa denunciada for um Bispo ou um Metropolita fora do território da Igreja Patriarcal, Arquiepiscopal Maior ou Metropolitana sui iuris, a denúncia é transmitida à Santa Sé.

§5. No caso da denúncia se referir a um Patriarca, um Arcebispo Maior, um Metropolita de uma Igreja sui iuris ou um Bispo das outras Igrejas Orientais sui iuris, aquela é transmitida à Santa Sé.

§6. As sucessivas disposições relativas ao Metropolita aplicam-se à autoridade eclesiástica a quem é transmitida a denúncia nos termos deste artigo.

 

Artigo 10.º
Deveres iniciais do Metropolita

§1. A não ser que a denúncia se revele claramente infundada, o Metropolita solicita prontamente ao Dicastério competente o encargo para iniciar a investigação. Se o Metropolita considerar a denúncia claramente infundada, informa disso mesmo o Representante Pontifício.

§2. O Dicastério provê sem demora, e em todo o caso dentro de trinta dias a contar da receção da primeira comunicação pelo Representante Pontifício ou da solicitação do encargo por parte do Metropolita, fornecendo as instruções adequadas sobre como proceder no caso concreto.

 

Artigo 11.º
Entrega da investigação a pessoa diferente do Metropolita

§1. Se o Dicastério competente considerar oportuno confiar a investigação a uma pessoa diferente do Metropolita, este será informado. O Metropolita entrega todas as informações e os documentos relevantes à pessoa encarregada pelo Dicastério.

§2. No caso referido no parágrafo anterior, as sucessivas disposições relativas ao Metropolita aplicam-se à pessoa encarregada de conduzir a investigação.

 

Artigo 12.º
Realização da investigação

§1. O Metropolita, uma vez obtido o encargo do Dicastério competente e no respeito das instruções recebidas, pessoalmente ou através de uma ou mais pessoas idóneas:

a) recolhe as informações relevantes a propósito dos factos;

b) toma conhecimento das informações e documentos necessários para a investigação guardados nos arquivos dos departamentos eclesiásticos;

c) obtém, quando necessária, a colaboração de outros Ordinários ou Hierarcas;

d) solicita informações aos indivíduos e às instituições, mesmo civis, que sejam capazes de fornecer elementos úteis para a investigação.

 

§2. Se for necessário ouvir um menor ou uma pessoa vulnerável, o Metropolita adota modalidades adequadas, que tenham em conta o seu estado.

§3. No caso de haver fundados motivos para considerar que informações ou documentos relativos à investigação possam ser subtraídos ou destruídos, o Metropolita adota as medidas necessárias para a sua preservação.

§4. Mesmo quando se serve de outras pessoas, o Metropolita permanece, em todo o caso, responsável pela direção e a realização das investigações, bem como pela execução precisa das instruções previstas no artigo 10.º-§2.

§5. O Metropolita é assistido por um notário, escolhido livremente de acordo com os cânones 483-§2 CIC e 253-§2 CCEO.

§6. O Metropolita é obrigado a agir de forma imparcial e livre de conflito de interesses. Se considerar que se encontra em conflito de interesses ou não é capaz de manter a imparcialidade necessária para garantir a integridade da investigação, é obrigado a abster-se e referir a circunstância ao Dicastério competente.

§7. À pessoa sob investigação é reconhecida a presunção de inocência.

§8. O Metropolita, se solicitado pelo Dicastério competente, informa a pessoa da investigação contra ela, ouve-a sobre os factos e convida-a a apresentar um memorial de defesa. Em tais casos, a pessoa investigada pode servir-se de um procurador.

§9. De trinta em trinta dias, o Metropolita transmite ao Dicastério competente um relatório informativo sobre o estado das investigações.

 

Artigo 13.º
Intervenção de pessoas qualificadas

§1. De acordo com eventuais diretrizes da Conferência Episcopal, do Sínodo dos Bispos ou do Conselho dos Hierarcas sobre o modo como ajudar o Metropolita nas investigações, os Bispos da respetiva Província, individualmente ou em conjunto, podem elaborar listas de pessoas qualificadas, dentre as quais o Metropolita pode escolher as mais idóneas para o assistir na investigação, conforme as necessidades do caso e, em particular, tendo em conta a cooperação que pode ser oferecida pelos leigos nos termos dos cânones 228 CIC e 408 CCEO.

§2. Em todo o caso, o Metropolita é livre para escolher outras pessoas igualmente qualificadas.

§3. Quem quer que assista o Metropolita na investigação é obrigado a agir de forma imparcial e livre de conflito de interesses. Se considerar que se encontra em conflito de interesses ou não é capaz de manter a imparcialidade necessária para garantir a integridade da investigação, é obrigado a abster-se e referir a circunstância ao Metropolita.

§4. As pessoas que assistem o Metropolita prestam juramento de cumprir digna e fielmente o encargo.

 

Artigo 14.º
Duração da investigação

§1. As investigações devem ser concluídas no prazo de noventa dias ou no tempo indicado pelas instruções previstas no artigo 10.º-§2.

§2. Por justos motivos, o Metropolita pode pedir a extensão do prazo ao Dicastério competente.

 

Artigo 15.º
Medidas cautelares

Se os factos ou as circunstâncias o exigirem, o Metropolita propõe ao Dicastério competente a adoção de disposições ou de medidas cautelares apropriadas contra o investigado.

 

Artigo 16.º
Instituição de um Fundo

§1. As Províncias Eclesiásticas, as Conferências Episcopais, os Sínodos dos Bispos e os Conselhos dos Hierarcas podem estabelecer um Fundo destinado a sustentar as despesas com as investigações, instituído de acordo com os cânones 116 e 1303-§1, 1.º CIC e 1047 CCEO, e administrado segundo as normas do Direito Canónico.

§2. A pedido do Metropolita designado, os fundos necessários para a investigação são colocados à sua disposição pelo administrador do Fundo, salvaguardado o dever de apresentar a este último um relatório financeiro no fim da investigação.

 

Artigo 17.º
Transmissão das atas e do votum

§1. Completada a investigação, o Metropolita transmite as atas ao Dicastério competente, juntamente com o seu próprio votum, sobre os resultados da investigação e dando resposta a eventuais quesitos postos nas instruções referidas no artigo 10.º-§2.

§2. A não ser que haja sucessivas instruções do Dicastério competente, as faculdades do Metropolita cessam quando a investigação estiver completada.

§3. No respeito pelas instruções do Dicastério competente, o Metropolita, se lhe for pedido, informa acerca do resultado da investigação a pessoa que afirma ter sido ofendida ou os seus representantes legais.

 

Artigo 18.º
Medidas sucessivas

O Dicastério competente, a não ser que decida organizar uma investigação suplementar, procede nos termos do direito, de acordo com o previsto para o caso específico.

 

Artigo 19.º
Observância das leis estatais

Estas normas aplicam-se sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada local pelas leis estatais, particularmente as relativas a eventuais obrigações de denúncia às autoridades civis competentes.

Estas normas são aprovadas ad experimentum, por um triénio.

Estabeleço que esta Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio seja promulgada através da sua publicação no jornal L’Osservatore Romano, entrando em vigor no dia 1 de junho de 2019, e seja depois publicada no boletim Acta Apostolicae Sedis.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 9 de maio do ano 2019, sétimo de pontificado.

Papa Francisco

 


Anexo 3 das Diretrizes da CEP

Congregação para a Doutrina da Fé

Vademecum sobre alguns pontos de procedimento
no tratamento dos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos

 

Observações

a. Quanto segue deve observar-se não só nos delitos previstos pelo art. 6 das Normae promulgadas pelo motu proprio «Sacramentorum sanctitatis tutela», mas também – com as possíveis adaptações – em todos os casos de delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé;

b. Serão usadas as seguintes abreviaturas: CIC: Codex Iuris Canonici; CCEO: Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium; SST: Motu Proprio «Sacramentorum sanctitatis tutela» – Normas atualizadas em 2010; VELM: Motu Proprio «Vos estis lux mundi» – 2019; CDF: Congregação para a Doutrina da Fé.

 

***

Introdução

Para dar resposta às inúmeras perguntas sobre os passos que se devem seguir nas causas penais da sua competência, a Congregação para a Doutrina da Fé preparou este Vademecum destinado primariamente aos Ordinários e operadores do direito que necessitem de traduzir em ações concretas a legislação canónica relativa aos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos.

Trata-se duma espécie de «manual» que pretende acompanhar e conduzir passo a passo, desde a notitia criminis até à conclusão definitiva da causa, quem se achar na necessidade de proceder à averiguação da verdade no contexto dos mencionados delitos.

Não é um texto normativo, não inova a legislação sobre o assunto, mas visa tornar mais claro um percurso. Apesar disso, recomenda-se a sua observância, cientes de que uma praxis homogénea contribui para tornar mais clara a administração da justiça.

Como principais referências, temos os dois Códigos em vigor (CIC e CCEO); as Normas sobre os delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé, na versão atualizada de 2010, emanadas através do Motu Proprio «Sacramentorum sanctitatis tutela», e tendo em conta as inovações introduzidas pelos Rescripta ex Audientia de 3 e 6 de dezembro de 2019; o Motu Proprio «Vos estis lux mundi»; e, por último mas não menos importante, a praxis da Congregação para a Doutrina da Fé, que tem vindo a determinar-se e consolidar-se cada vez mais nos últimos anos.

Tratando-se dum instrumento flexível, prevê-se a possibilidade da sua atualização periódica, sempre que houver alteração na legislação de referência ou a praxis da Congregação tornar necessário esclarecimentos e modificações.

Deliberadamente não se contemplaram, no Vademecum, as indicações sobre o desenrolar do processo penal judicial na primeira instância de julgamento, convictos de que o procedimento ilustrado nos Códigos em vigor seja suficientemente claro e detalhado.

Deseja-se que este instrumento possa ajudar as Dioceses, os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, as Conferências Episcopais e as várias circunscrições eclesiásticas a melhor entenderem e implementarem as exigências da justiça em caso de delictum gravius que constitui, para toda a Igreja, uma ferida profunda e dolorosa que pede para ser curada.

 

I. O que configura o delito?

1. O delito em questão inclui todo o pecado externo contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor (cf. cân. 1395 §2 CIC; art. 6 §1, 1.º SST).

2. A tipologia do delito é muito ampla e pode incluir, por exemplo, relações sexuais (com e sem consentimento), contacto físico de ordem sexual, exibicionismo, masturbação, produção de pornografia, indução à prostituição, conversas e/ou propostas de carácter sexual inclusive através dos meios de comunicação.

3. O conceito de «menor», relativamente aos casos em questão, variou ao longo do tempo: até 30 de abril de 2001, entendia-se a pessoa com menos de 16 anos de idade (embora nalgumas legislações particulares – como, por exemplo, nos EUA desde 1994 e na Irlanda desde 1996 – a idade já tivesse sido elevada para 18 anos). Desde 30 de abril de 2001, quando foi promulgado o Motu Proprio «Sacramentorum sanctitatis tutela», a idade foi universalmente elevada para 18 anos, sendo a idade ainda em vigor. É preciso ter em conta estas variações, quando se deve definir se o «menor» o era realmente, segundo a definição de Lei em vigor no momento dos factos.

4. O facto de se falar de «menor» não incide sobre a distinção, que às vezes se deduz das ciências psicológicas, entre atos de «pedofilia» e atos de «efebofilia», isto é, com adolescentes já fora da puberdade. A sua maturidade sexual não influi sobre a definição canónica do delito.

5. A revisão do Motu Proprio SST, promulgada em 21 de maio de 2010, sancionou que se devem equiparar ao menor as pessoas que possuem habitualmente um uso imperfeito da razão (cf. art. 6 §1, 1.º SST). Quanto ao uso da expressão «adulto vulnerável» – descrito noutro documento como «toda a pessoa em estado de enfermidade, deficiência física ou psíquica, ou de privação da liberdade pessoal que de facto, mesmo ocasionalmente, limite a sua capacidade de entender ou querer ou, em todo o caso, de resistir à ofensa» (cf. art. 1 §2, b VELM) – lembra-se que esta definição integra uma gama mais ampla de casos em relação aos que estão sob a competência da CDF, que permanece limitada aos menores de dezoito anos e a quem «possui habitualmente um uso imperfeito da razão». Outras espécies de casos fora destes são tratadas pelos Dicastérios competentes (cf. art. 7 §1 VELM).

6. Além disso, o SST introduziu (cf. art. 6 §1, 2.º SST) três novos delitos que têm a ver com uma tipologia particular de menores, ou seja, adquirir, deter (mesmo só temporariamente) e divulgar imagens pornográficas de menores de 14 anos (desde 1 de janeiro de 2020, de 18 anos) por parte de um clérigo para fins de libidinagem de qualquer maneira e por qualquer instrumento. De 1 de junho a 31 de dezembro de 2019, a aquisição, a detenção e a divulgação de material pornográfico, envolvendo menores de 14 a 18 anos, cometidas por clérigos ou membros de Institutos de Vida Consagrada ou Sociedades de Vida Apostólica são delitos de competência de outros Dicastérios (cf. art. 1 e 7 VELM). Desde 1 de janeiro de 2020, a competência relativamente aos clérigos é da Congregação para a Doutrina da Fé.

7. Note-se que estes três delitos são canonicamente puníveis só a partir da entrada em vigor de SST, isto é, a partir de 21 de maio de 2010. Ao contrário, a produção de pornografia com menores enquadra-se na tipologia de delito indicada nos n. 1-4 deste Vademecum, sendo, por conseguinte, processável mesmo antes de tal data.

8. Segundo o direito dos religiosos pertencentes à Igreja latina (cf. cân. 695ss. CIC), o delito mencionado no n. 1 pode incluir também a demissão do Instituto Religioso. Entretanto, tenha-se em conta o seguinte: a) tal demissão não é uma pena, mas um ato administrativo do Moderador Supremo; b) para decretá-la, deve-se observar escrupulosamente o procedimento relativo, descrito nos cân. 695 §2, 699 e 700 CIC; c) a confirmação do decreto de demissão, de acordo com o cân. 700 CIC, deve ser solicitada à CDF; d) a demissão do Instituto inclui a perda da incorporação no Instituto e a cessação dos votos e obrigações decorrentes da profissão (cf. cân. 701 CIC), e a proibição de exercer a Ordem recebida enquanto não se verificarem as condições mencionadas no cân. 701 CIC. Aplicam-se as mesmas regras, com as oportunas adaptações, também aos membros definitivamente incorporados nas Sociedades de Vida Apostólica (cf. cân. 746 CIC).

 

II. Que fazer quando se recebe a informação sobre um possível delito (notitia de delicto)?

a) Que se entende por notitia de delicto?

9. A notitia de delicto (cf. cân. 1717 §1 CIC; cân. 1468 §1 CCEO; art. 16 SST; art. 3 VELM), que às vezes aparece designada como notitia criminis, é toda a informação sobre um possível delito que chegue, de qualquer modo, ao Ordinário ou ao Hierarca. Não é preciso que se trate duma denúncia formal.

10. Assim, esta notitia pode ter várias fontes: ser apresentada formalmente ao Ordinário ou ao Hierarca, de maneira oral ou escrita, pela presumível vítima, pelos seus tutores, por outras pessoas que alegam estar informadas dos factos; chegar ao Ordinário ou ao Hierarca durante o exercício dos seus deveres de vigilância; ser apresentada ao Ordinário ou ao Hierarca pelas autoridades civis segundo as modalidades previstas pelas legislações locais; ser divulgada pelos mass-media (incluindo os social media); chegar ao seu conhecimento através de vozes recolhidas, e de qualquer outra maneira apropriada.

11. Às vezes, a notitia de delicto pode chegar de fonte anónima, ou seja, de pessoas não identificadas ou não identificáveis. O anonimato do denunciante não deve levar automaticamente a considerar falsa tal notitia; no entanto, por razões facilmente compreensíveis, é oportuno ter muita cautela ao tomar em consideração esse tipo de notitia, que de modo algum deve ser encorajado.

12. De igual modo, não é aconselhável descartar a priori a notitia de delicto, proveniente de fontes cuja credibilidade possa parecer, à primeira vista, duvidosa.

13. Às vezes, a notitia de delicto não fornece detalhes concretos (nomes, lugares, tempos, etc.). Embora vaga e indeterminada, deve ser adequadamente avaliada e, na medida do possível, aprofundada com a devida atenção.

14. Tenha-se em mente que uma informação de delictum gravius recebida em Confissão está posta sob o vínculo estreitíssimo do sigilo sacramental (cf. cân. 983 §1 CIC; cân. 733 §1 CCEO; art. 4 §1, 5.º SST). Por isso será necessário que o confessor, informado de um delictum gravius durante a celebração do Sacramento, procure convencer o penitente a tornar conhecidas as suas informações por outras vias, a fim de permitir agir a quem de dever.

15. O exercício dos deveres de vigilância, que cabem ao Ordinário e ao Hierarca, não prevê que o mesmo tenha de exercer contínuos controlos de investigação sobre os clérigos a ele sujeitos, mas também não lhe permite eximir-se de se manter informado sobre a conduta deles neste campo, sobretudo se chegaram ao seu conhecimento suspeitas, comportamentos escandalosos, condutas que perturbam gravemente a ordem.

b) Que ações se devem empreender, quando se recebeu uma notitia de delicto?

16. O art. 16 SST (cf. também os cân. 1717 CIC e 1468 CCEO) estabelece que, recebida uma notitia de delicto, se realize uma investigação prévia, caso a notitia de delicto seja «saltem verisimilis». Mas, se tal verosimilhança for infundada, poder-se-á não dar seguimento à notitia de delicto, tendo, entretanto, o cuidado de conservar a documentação juntamente com uma nota onde se expliquem as razões da decisão.

17. Mesmo na ausência duma obrigação normativa explícita, a autoridade eclesiástica apresente denúncia às autoridades civis competentes, sempre que o considere indispensável para tutelar a pessoa ofendida ou outros menores do perigo de novos atos delituosos.

18. Tendo em conta a delicadeza da matéria (devido ao facto, por exemplo, de os pecados contra o sexto mandamento do Decálogo raramente ocorrerem na presença de testemunhas), o juízo sobre a falta de verosimilhança (que pode levar à omissão da investigação prévia) será emitido apenas em caso de manifesta impossibilidade de proceder segundo o Direito Canónico: por exemplo, se resultar que a pessoa, na época do delito de que é acusada, ainda não era clérigo; se resultar evidente que a presumível vítima não era menor de idade (a propósito, veja-se o n.º 3); se for notório que a pessoa denunciada não podia estar presente no lugar do delito no momento em que teriam ocorrido os factos imputados.

19. Entretanto, mesmo nestes casos, é aconselhável que o Ordinário ou o Hierarca comunique à CDF a notitia de delicto e a decisão de não proceder à investigação prévia por manifesta falta de verosimilhança.

20. Em tal caso, apesar de não haver o delito com menores, mas, perante condutas impróprias e imprudentes, lembre-se que, se for necessário para proteger o bem comum e evitar escândalos, se enquadra nos poderes do Ordinário e do Hierarca tomar outras medidas de tipo administrativo contra a pessoa denunciada (por exemplo, limitações no ministério), ou impor-lhe os remédios penais mencionados no cân. 1339 CIC a fim de prevenir os delitos (cf. cân. 1312 §3 CIC), ou a repreensão pública referida no cân. 1427 CCEO. Além disso, se houver delitos não graviora, o Ordinário ou o Hierarca deve seguir as vias jurídicas apropriadas às circunstâncias.

21. Segundo o cân. 1717 CIC e o cân. 1468 CCEO, a tarefa da investigação prévia compete ao Ordinário ou ao Hierarca que recebeu a notitia de delicto, ou a pessoa idónea por ele designada. A eventual omissão deste dever pode constituir um delito punível nos termos do Código de Direito Canónico e do Motu Proprio «Como uma mãe amorosa», bem como do art. 1 §1, b VELM.

22. O Ordinário ou o Hierarca a quem compete tal tarefa pode ser o do clérigo denunciado ou, se diferente, o Ordinário ou o Hierarca do lugar onde ocorreram os presumíveis delitos. Neste caso, como facilmente se entende, é bom ativar a comunicação e a colaboração entre os diferentes Ordinários interessados, a fim de se evitar conflitos de competência ou trabalhos em duplicado, sobretudo se o clérigo for um religioso.

23. Se um Ordinário ou um Hierarca se deparar com problemas para iniciar ou realizar a investigação prévia, dirija-se sem demora à CDF, para obter orientação ou dirimir possíveis questões.

24. Pode acontecer que a notitia de delicto chegue diretamente à CDF, sem passar pelo Ordinário ou o Hierarca. Neste caso, a CDF pode pedir-lhe que realize a investigação ou, segundo o art. 17 SST, realizá-la ela própria.

25. A CDF, por decisão própria, por solicitação explícita ou por necessidade, pode também pedir a um Ordinário ou um Hierarca terceiro que realize a investigação prévia.

26. A investigação prévia canónica deve ser realizada, independentemente da existência ou não de uma investigação correlativa pelas autoridades civis. Mas, se a legislação estatal impuser a proibição de investigações paralelas à sua, a autoridade eclesiástica competente abstenha-se de iniciar a investigação prévia e comunique à CDF tudo o que foi denunciado, anexando qualquer material útil. Se parecer oportuno aguardar o fim das investigações civis para eventualmente obter os seus resultados ou por outro género de razões, é bom que o Ordinário ou o Hierarca peça conselho à CDF sobre isso.

27. A atividade de investigação deve ser conduzida no respeito pelas leis civis de cada Estado (cf. art. 19 VELM).

28. Sabe-se que existem, inclusive para os delitos de que se está a tratar, prazos de prescrição da ação criminal, que foram variando consideravelmente ao longo do tempo. Os prazos atualmente em vigor são definidos pelo art. 7 SST[1]. Mas, como este mesmo art. 7 §1 SST permite à CDF derrogar a prescrição em casos individuais, o Ordinário ou o Hierarca, mesmo constatando que decorreu o tempo para a prescrição, deverá igualmente dar seguimento à notitia de delicto e à possível investigação prévia, comunicando os seus resultados à CDF, a única a quem compete decidir se manter a prescrição ou derrogá-la. Na transmissão dos atos, poderá ser útil o Ordinário ou o Hierarca expressar o seu parecer acerca da possível derrogação, motivando-o com base nas circunstâncias atuais (por exemplo, estado de saúde ou idade do clérigo, possibilidade de o mesmo exercitar o seu direito de defesa, dano causado pela suposta ação criminal, escândalo suscitado).

29. Nestes delicados atos preliminares, o Ordinário ou o Hierarca pode recorrer ao conselho da CDF (é possível fazê-lo em qualquer momento da condução de um caso), bem como consultar livremente especialistas em matéria canónica penal. Mas, nesta última eventualidade, tenha cuidado de evitar qualquer difusão inoportuna ou ilícita de informações ao público, que poderia prejudicar uma possível investigação prévia sucessiva ou dar a impressão de já ter definido com certeza os factos ou a culpabilidade do clérigo em questão.

30. Note-se que se está obrigado, já nesta fase, a observar o segredo de ofício. Tenha-se em mente, porém, que não se pode impor qualquer vínculo de silêncio sobre os factos a quem faz a denúncia, à pessoa que afirma ter sido ofendida, nem às testemunhas.

31. Segundo o art. 2 §3 VELM, o Ordinário que tiver recebido a notitia de delicto deve transmiti-la sem demora ao Ordinário ou ao Hierarca do lugar onde teriam acontecido os factos, bem como ao Ordinário ou ao Hierarca próprio da pessoa denunciada, ou seja, no caso de um religioso, ao seu Superior Maior se é o Ordinário próprio e, no caso de um diocesano, ao Ordinário da diocese ou ao Bispo eparquial de incardinação. No caso de o Ordinário ou o Hierarca do lugar e o Ordinário ou o Hierarca próprio não serem a mesma pessoa, é desejável que entrem em contacto para se acordarem sobre quem conduzirá a investigação. Se a denúncia disser respeito a um membro dum Instituto de Vida Consagrada ou duma Sociedade de Vida Apostólica, o Superior Maior informará também o Moderador Supremo e, no caso de Institutos e Sociedades de direito diocesano, também o Bispo referencial.

 

III. Como se realiza a investigação prévia?

32. A investigação prévia realiza-se segundo os critérios e modalidades indicados nos cân. 1717 CIC ou 1468 CCEO, evocados em seguida.

a) Que é a investigação prévia?

33. Deve-se ter sempre em mente que a investigação prévia não é um processo, e o seu objetivo não é alcançar a certeza moral quanto à realização dos factos que são objeto da acusação. Serve: a) para o recolhimento de dados úteis a fim de se aprofundar a notitia de delicto; e b) para verificar a sua verosimilhança, ou seja, definir aquilo que se chama fumus delicti, isto é, se tem fundamento suficiente em direito e nos factos para considerar verosímil a acusação.

34. Por isso, como indicam os cânones citados no n.º 32, a investigação prévia deve recolher informações mais detalhadas relativamente à notitia de delicto sobre os factos, as circunstâncias e a sua imputabilidade. Não é necessário realizar, já nesta fase, um meticuloso recolhimento de elementos de prova (depoimentos, perícias), tarefa que competirá depois a um possível procedimento penal sucessivo. Importante é reconstruir, na medida do possível, os factos em que se baseia a acusação, o número e o tempo das condutas delituosas, as suas circunstâncias, as generalidades das presumíveis vítimas, acrescentando uma primeira avaliação de eventuais danos físicos, psíquicos e morais provocados. Dever-se-á ter o cuidado de indicar possíveis relações com o foro interno sacramental (a propósito disto, porém, tenha-se em conta quanto prescrito no art. 24 SST[2]). Anexar-se-ão também quaisquer outros delitos atribuídos ao acusado (cf. art. 8 §2 SST[3]) e indicar-se-ão factos problemáticos emergentes do seu perfil biográfico. Pode ser oportuno recolher testemunhos e documentos, de qualquer género e proveniência (incluindo os resultados das investigações ou de um processo realizado pelas autoridades civis), que possam resultar verdadeiramente úteis para circunstanciar e abonar a verosimilhança da acusação. Como prevê a Lei, é possível desde já indicar eventuais circunstâncias dirimentes, atenuantes ou agravantes. Pode ser útil também recolher desde já depoimentos de credibilidade sobre os denunciantes e as presumíveis vítimas. Como Apêndice a este Vademecum, inclui-se um esquema-resumo dos dados úteis, que a pessoa que realiza a investigação prévia faz bem ter presente e compilar (cf. n.º 69).

35. Se, durante a investigação prévia, se chegar ao conhecimento de outras notitiae de delicto, estas sejam aprofundadas na mesma investigação.

36. Como aludido, a aquisição dos resultados das investigações civis (ou de todo o processo no tribunal estatal) poderia tornar supérflua a investigação prévia canónica. Em todo o caso, quem deve conduzir a investigação prévia tem de prestar a devida atenção no momento de avaliar as investigações civis, porque os critérios destas (por exemplo, quanto aos prazos de prescrição, à tipologia do delito, à idade da vítima, etc.) podem divergir sensivelmente daquilo que está prescrito na Lei canónica. Também nisto, em caso de dúvida, pode ser aconselhável recorrer à avaliação da CDF.

37. A investigação prévia poderia ser supérflua também em caso de delito notório e não duvidoso (por exemplo, a aquisição dos atos do processo civil ou a confissão pelo clérigo).

 

b) Que atos jurídicos é preciso efetuar para iniciar a investigação prévia?

38. Se o Ordinário ou o Hierarca competente considerar oportuno valer-se de outra pessoa idónea para realizar a investigação (cf. n.º 21), escolha-a segundo os critérios indicados pelos cân. 1428 §1 e §2 CIC ou 1093 CCEO[4].

39. Ao nomear quem realiza a investigação, tendo em conta a cooperação que pode ser prestada pelos leigos nos termos dos cân. 228 CIC e 408 CCEO (cf. art. 13 VELM), o Ordinário ou o Hierarca lembre-se de que, segundo o cân. 1717 §3 CIC e 1468 §3 CCEO, a mesma pessoa não poderá desempenhar a função de juiz num eventual processo penal sucessivo. A praxis sugere que se use o mesmo critério para a nomeação do Delegado e dos Assessores no caso de processo extrajudicial.

40. Segundo os cân. 1719 CIC e 1470 CCEO, o Ordinário ou o Hierarca deve emitir um decreto de abertura da investigação prévia, no qual nomeie a pessoa que a conduz, indicando no texto que ela possui os poderes mencionados nos cân. 1717 §3 CIC ou 1468 §3 CCEO.

41. Embora a Lei não o preveja expressamente, é aconselhável a nomeação de um Notário sacerdote (cf. cân. 483 §2 CIC e cân. 253 §2 CCEO, onde aparecem indicados outros critérios para a escolha), que assista quem realiza a investigação prévia, a fim de garantir a fé pública dos atos por ele redigidos (cf. cân. 1437 §2 CIC e 1101 §2 CCEO).

42. Note-se, porém, que, não se tratando de atos processuais, a presença do Notário não é necessária ad validitatem dos mesmos.

43. Na fase de investigação prévia, não está prevista a nomeação de um Promotor de Justiça.

 

c) Que atos complementares se podem ou devem efetuar durante a investigação prévia?

44. Os câns. 1717 §2 CIC e 1468 §2 CCEO e os art. 4-§2 e 5-§2 VELM fazem referência à tutela da boa fama das pessoas envolvidas (acusado, presumíveis vítimas, testemunhas), de modo que a denúncia não possa gerar preconceitos, retaliações, discriminações. Assim, quem conduz a investigação prévia deve ter isto especialmente em atenção, tomando todas as precauções para o efeito, uma vez que a boa fama é um direito dos fiéis garantido pelos cân. 220 CIC e 23 CCEO. Tenha-se em conta, porém, que os mesmos cânones acautelam contra lesões ilegítimas de tal direito: por conseguinte, se corresse perigo o bem comum, a divulgação de notícias sobre a existência de uma acusação não constitui necessariamente uma violação da boa fama. Além disso, informem-se as pessoas envolvidas de que, se intervier uma apreensão judiciária ou uma ordem de entrega dos atos de investigação pelas autoridades civis, a Igreja já não poderá garantir a confidencialidade dos depoimentos e da documentação adquirida em sede canónica.

45. Em todo caso, sobretudo quando se tiver de difundir comunicados públicos sobre o caso, é preciso empregar toda a cautela ao dar informações sobre os factos, por exemplo, usando uma forma essencial e concisa, evitando anúncios sensacionalistas, abstendo-se completamente de qualquer juízo antecipado sobre a culpabilidade ou inocência da pessoa denunciada (que será estabelecida apenas pelo relativo e eventual processo penal, destinado a verificar o fundamento da acusação), atendo-se à possível vontade de respeito da confidencialidade expressa pelas presumíveis vítimas.

46. Dado que nesta fase, como ficou dito, ainda não se pode definir a eventual culpabilidade da pessoa denunciada, dever-se-á – nos comunicados públicos ou nas comunicações privadas – evitar com todo o cuidado qualquer afirmação em nome da Igreja, do Instituto ou Sociedade, ou a título pessoal, que possa constituir uma antecipação do juízo a propósito dos factos.

47. Tenha-se presente ainda que as denúncias, os processos e as decisões relativas aos delitos referidos no art. 6 SST estão sujeitos ao segredo de ofício. Isto não impede que o denunciante – sobretudo se tem intenção de se dirigir também às autoridades civis – possa tornar públicas as suas ações. Além disso, visto que nem todas as formas de notitiae de delicto são denúncias, pode-se eventualmente avaliar quando deve considerar-se obrigado ao segredo, sempre no respeito da boa fama referido no n.º 44.

48. Na mesma linha, é preciso certificar-se se, a cargo do Ordinário ou do Hierarca, subsiste ou não a obrigação de notificar as autoridades civis da notitia de delicto recebida e da investigação prévia aberta. Os princípios aplicáveis são dois: a) devem-se respeitar as leis do Estado (cf. art. 19 VELM); b) deve-se respeitar a vontade da presumível vítima, contanto que a sua vontade não esteja em contraste com a legislação civil e – como se dirá mais adiante (n.º 56) – encorajando-a no exercício dos seus deveres e direitos perante as autoridades estatais, tendo o cuidado de conservar uma anotação escrita de tal sugestão, evitando qualquer forma dissuasiva junto da presumível vítima. A propósito, observem-se sempre e em todo o caso eventuais convenções (concordatas, acordos, entendimentos) estipuladas pela Sé Apostólica com as nações.

49. Quando as leis estatais impõem ao Ordinário ou ao Hierarca que transmita a informação de uma notitia de delicto, é-se obrigado a comunicá-la, mesmo se se prevê que, considerando as leis do Estado, não haverá a abertura de um procedimento (por exemplo, por se ter verificado a prescrição ou por interpretações diferentes da tipologia delituosa).

50. Se as autoridades judiciais civis emanarem uma ordem executiva legítima solicitando a entrega de documentos relativos às causas ou estabelecerem a apreensão judicial dos mesmos, o Ordinário ou o Hierarca deverá cooperar com as autoridades civis. Se houver dúvidas sobre a legitimidade de tal solicitação ou apreensão, o Ordinário ou o Hierarca poderá consultar peritos legais sobre os remédios disponíveis no ordenamento local. Em todo o caso, é oportuno informar imediatamente o Representante Pontifício.

51. No caso de se tornar necessário ouvir um menor ou pessoa a ele equiparada, adotem-se as normas civis do país e as modalidades adequadas à idade e ao estado, permitindo, por exemplo, que o menor seja acompanhado por um adulto da sua confiança e evitando que tenha contacto direto com o acusado.

52. Na fase da investigação prévia, uma tarefa particularmente delicada que cabe ao Ordinário ou ao Hierarca é decidir se e quando informar dela o acusado.

53. Para esta tarefa, não existe um critério uniforme nem disposições explícitas da Lei. É preciso avaliar o conjunto de bens em jogo: além da proteção da boa fama das pessoas interessadas, há que se ter em conta também, por exemplo, o risco de contaminação da investigação prévia, o escândalo dos fiéis, a conveniência de recolher primeiro todos os elementos indiciários que possam ser úteis ou necessários.

54. Se se decidisse escutar a pessoa denunciada, por se tratar duma fase anterior ao julgamento, não é obrigatório providenciar-lhe a nomeação de um advogado de ofício. No entanto, se ela o considerar oportuno, poderá recorrer à assistência dum defensor escolhido por ela. À pessoa denunciada não se pode impor o juramento (cf. ex analogia os cân. 1728 §2 CIC e 1471 §2 CCEO).

55. As autoridades eclesiásticas devem empenhar-se para que a presumível vítima e a sua família sejam tratadas com dignidade e respeito, e devem oferecer-lhes acolhimento, escuta e acompanhamento, inclusive através de serviços específicos, bem como assistência espiritual, médica e psicológica, de acordo com o caso específico (cf. art. 5 VELM). O mesmo pode ser feito a favor do acusado. Contudo, evite-se dar a impressão de querer antecipar os resultados processuais.

56. É absolutamente necessário evitar, nesta fase, qualquer ato que possa ser interpretado pelas presumíveis vítimas como um obstáculo ao exercício dos seus direitos civis perante as autoridades estatais.

57. Onde houver estruturas estatais ou eclesiásticas de informação e apoio às presumíveis vítimas, ou de consulta para as autoridades eclesiais, é bom fazer referência também a elas. Estas estruturas têm um objetivo de puro aconselhamento, orientação e assistência, e as suas análises não constituem de modo algum decisões processuais canónicas.

58. Tendo em vista a tutela da boa fama das pessoas envolvidas e a tutela do bem público, assim como evitar outros factos (como, por exemplo, a difusão do escândalo, o risco de ocultação das futuras provas, a ativação de ameaças ou outras condutas tendentes a afastar a presumível vítima do exercício dos seus direitos, a proteção de outras possíveis vítimas), segundo o art. 19 SST, o Ordinário ou o Hierarca tem o direito, desde a abertura da investigação prévia, de impor as medidas cautelares enumeradas nos cân. 1722 CIC e 1473 CCEO[5].

59. As medidas cautelares enumeradas nestes cânones constituem uma lista exaustiva, pelo que se poderá escolher uma ou mais dentre elas apenas.

60. Isto não impede que o Ordinário ou o Hierarca possa impor outras medidas disciplinares, segundo os seus poderes, mas que, estritamente falando, não poderão ser definidas «medidas cautelares».

 

d) Como se impõem as medidas cautelares?

61. Antes de mais nada, diga-se que uma medida cautelar não é uma pena (as penas só se impõem no final de um processo penal), mas um ato administrativo, cujos objetivos são descritos pelos citados cân. 1722 CIC e 1473 CCEO. O aspeto não penal da medida deve ser bem esclarecido ao interessado, para evitar que ele pense ter sido julgado ou punido antes do tempo. Além disso, há que se destacar que as medidas cautelares devem ser revogadas se o motivo que as sugeriu se extinguir, e cessam quando terminar o possível processo penal. Além do mais, podem ser modificadas (agravando-as ou atenuando-as), se as circunstâncias o exigirem. Entretanto, recomenda-se particular prudência e discernimento ao julgar a extinção do motivo que sugeriu as medidas; e não se exclui que as mesmas – uma vez revogadas – possam ser novamente impostas.

62. Observa-se frequentemente que ainda está em uso a antiga terminologia da suspensão a divinis para indicar a proibição de exercer o ministério, imposta como medida cautelar a um clérigo. É bom evitar tal designação, bem como a de suspensão ad cautelam, porque na legislação em vigor a suspensão é uma pena e, nesta fase, ainda não pode ser imposta. A forma correta para designar tal disposição será, por exemplo, afastamento ou proibição de exercício do ministério.

63. Deve-se evitar a opção de realizar simplesmente uma transferência de ofício, de circunscrição, de casa religiosa do clérigo envolvido, pensando que o seu afastamento do local do suposto delito ou das presumíveis vítimas constitua solução satisfatória do caso.

64. As medidas cautelares referidas no n.º 58 impõem-se por meio de um preceito singular legitimamente notificado (cf. cân. 49ss. e 1319 CIC e 1406 e 1510ss. CCEO).

65. Tenha-se presente que, quando for decidido modificar ou revogar as medidas cautelares, será necessário fazê-lo com decreto específico legitimamente notificado. Entretanto não será necessário fazê-lo no fim do eventual processo, dado que então aquelas cessam por força do direito.

 

e) Que fazer para concluir a investigação prévia?

66. Tendo em vista a equidade e o exercício razoável da justiça, recomenda-se que a duração da investigação prévia seja proporcionada às finalidades da própria investigação, ou seja, a obtenção da fundada verosimilhança da notitia de delicto e a respetiva existência do fumus delicti. O prolongamento injustificado da duração da investigação prévia pode constituir uma negligência por parte da autoridade eclesiástica.

67. Se a investigação foi realizada por pessoa idónea nomeada pelo Ordinário ou pelo Hierarca, esta entregue todos os atos da investigação, juntamente com a própria avaliação dos seus resultados.

68. Segundo os cân. 1719 CIC e 1470 CCEO, o Ordinário ou o Hierarca deve decretar o encerramento da investigação prévia.

69. Segundo o art. 16 SST, uma vez concluída a investigação prévia, e qualquer que seja o resultado, o Ordinário ou o Hierarca tem o dever de enviar uma cópia autêntica dos relativos atos à CDF, o mais rápido possível. À cópia dos atos e à tabela-resumo (cf. o Apêndice), junte a sua avaliação dos resultados da investigação (votum), oferecendo ainda as suas eventuais sugestões acerca da maneira de proceder (por exemplo, se considera oportuno ativar um procedimento penal, e o tipo do mesmo; se se pode considerar suficiente a pena imposta pelas autoridades civis; se é preferível a aplicação de medidas administrativas pelo Ordinário ou o Hierarca; se se deve invocar a prescrição do delito ou conceder a derrogação da mesma).

70. Quando o Ordinário ou o Hierarca que realizou a investigação prévia for um Superior Maior, convém que transmita cópia do fascículo da investigação também ao Moderador Supremo (ou ao Bispo de referência, no caso de Institutos ou Sociedades de direito diocesano), já que são as figuras com que normalmente dialogará em seguida a CDF. Por sua vez, o Moderador Supremo enviará à CDF o seu votum, como no n.º 69.

71. Se o Ordinário que realizou a investigação prévia não for o Ordinário do lugar onde foi cometido o presumível delito, o primeiro comunique ao segundo os resultados da investigação.

72. Os atos sejam enviados numa única cópia. É útil que sejam autenticados por um Notário, que será um da Cúria, se não se nomeou um especial para a investigação prévia.

73. Os cân. 1719 CIC e 1470 CCEO estabelecem que o original de todos os atos seja conservado no arquivo secreto da Cúria.

74. Segundo o art. 16 SST, uma vez enviados os atos da investigação prévia à CDF, o Ordinário ou o Hierarca deverá aguardar as relativas comunicações ou instruções da CDF.

75. Se, entretanto, surgirem outros elementos relativos à investigação prévia ou a novas acusações, sejam transmitidos o mais rapidamente possível à CDF para serem integrados com o que já possui. Se parecer útil reabrir a investigação prévia devido a tais elementos, comunique-se imediatamente à CDF.

 

IV. Chegados a este ponto, que pode fazer a CDF?

76. Recebidos os atos da investigação prévia, normalmente a CDF dá confirmação imediata ao Ordinário, ao Hierarca, ao Moderador Supremo (no caso dos religiosos, também à Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica; se, entretanto, o clérigo for duma Igreja Oriental, fá-lo à Congregação para as Igrejas Orientais; e, naturalmente, à Congregação para a Evangelização dos Povos, se o clérigo pertencer a um território sujeito a este Dicastério), comunicando – se ainda o não fizera anteriormente – o número de Protocolo relativo ao caso. A este número, será necessário fazer referência em qualquer comunicação sucessiva à CDF.

77. Num segundo tempo, depois de ter estudado cuidadosamente os atos, à CDF abrem-se várias possibilidades de ação: arquivar o caso; solicitar um aprofundamento da investigação prévia; impor medidas disciplinares não penais, habitualmente por meio dum preceito penal; impor remédios penais ou penitências, ou então admoestações ou repreensões; abrir um processo penal; identificar outras vias de solicitude pastoral. A decisão tomada é comunicada ao Ordinário, com as instruções apropriadas para a levar a efeito.

 

a) Que são as medidas disciplinares não penais?

78. As medidas disciplinares não penais são atos administrativos singulares (isto é, atos do Ordinário ou do Hierarca, ou mesmo da CDF), pelos quais se impõe ao acusado fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Nestes casos, normalmente impõe-se limitações no exercício do ministério, mais ou menos amplas em consideração do caso, e algumas vezes também a obrigação de residir num determinado lugar. Fique claro que não se trata de penas, mas de atos de governo que visam garantir e proteger o bem comum e a disciplina eclesial e evitar o escândalo dos fiéis.

 

b) Que é um preceito penal?

79. A forma habitual com que se impõem estas medidas é o preceito penal, nos termos dos cân. 1319 §1 CIC e 1406 §1 CCEO. O cân. 1406 §2 CCEO equipara-o à admoestação com ameaça de pena.

80. As formalidades requeridas para um preceito foram já recordadas (cân. 49ss. CIC e 1510ss. CCEO). Todavia, para que se trate dum preceito penal, no texto deve ser claramente indicada a pena imposta ao destinatário do preceito, se transgredir as medidas que lhe foram impostas.

81. Tenha-se presente que, segundo o cân. 1319 §1 CIC, num preceito penal não se podem impor penas expiatórias perpétuas; além disso, a pena deve ser claramente determinada. Há outras exclusões de penas que estão previstas no cân. 1406 §1 CCEO para os fiéis de rito oriental.

82. Contra este ato administrativo, admite-se recurso nos termos da Lei.

 

c) Que são os remédios penais, as penitências e as repreensões públicas?

83. Para a definição dos remédios penais, das penitências e das repreensões públicas, remete-se respetivamente para os câns. 1339 e 1340 §1 CIC e 1427 CCEO[6].

  

 V. Quais são as decisões possíveis num processo penal?

84. As decisões no fim do processo penal, seja este judicial ou extrajudicial, poderão ter um resultado de três tipos:

condenatórioconstat»), se constar com certeza moral a culpabilidade do acusado em relação ao delito que lhe é atribuído. Neste caso, deve-se indicar especificamente o tipo de sanção canónica infligida ou declarada;

absolutórioconstat de non»), se constar com certeza moral a não culpabilidade do acusado, enquanto o facto não subsiste, o acusado não o cometeu, o facto não está previsto na lei como crime, ou foi cometido por pessoa não imputável;

demissórionon constat»), no caso de não ser possível alcançar a certeza moral em relação à culpabilidade do acusado, enquanto falta, ou é insuficiente ou é contraditória a prova de que o facto subsiste, que o acusado cometeu o facto, ou que o delito foi cometido por pessoa não imputável.

Existe a possibilidade de prover ao bem público ou ao bem do acusado com apropriadas admoestações, remédios penais e outras vias ditadas pela solicitude pastoral (cf. cân. 1348 CIC).

A decisão (por sentença ou por decreto) deverá indicar a qual destes três géneros faz referência, para ficar claro se «consta», ou «consta que não», ou «não consta».

 

VI. Quais são os procedimentos penais possíveis?

85. Segundo a Lei, os procedimentos penais possíveis são três: o processo penal judicial; o processo penal extrajudicial; o procedimento introduzido pelo art. 21 §2, 2.º SST.

86. O procedimento previsto no art. 21 §2, 2.º SST[7] está reservado aos casos muito graves, termina com uma decisão direta do Sumo Pontífice e prevê em todo o caso que, embora resulte clara a realização do delito, seja garantido ao acusado o exercício do direito de defesa.

87. Relativamente ao processo penal judicial, remete-se às disposições específicas da Lei, quer dos respetivos Códigos, quer dos art. 8-15, 18-19, 21 §1, 22-31 SST.

88. O processo penal judicial não exige a dupla sentença conforme, pelo que a decisão tomada eventualmente pela segunda instância mediante uma sentença determina a res iudicata (cf. também art. 28 SST). Contra uma sentença que se tornou definitiva, é possível apenas a restitutio in integrum, desde que se apresentem elementos que tornem evidente a sua injustiça (cf. cân. 1645 CIC, 1326 CCEO) ou a querela de nulidade (cf. cân. 1619ss. CIC, 1302ss. CCEO). O Tribunal constituído para este tipo de processo é sempre colegial, compondo-se no mínimo por três juízes. Goza do direito de apelar contra a sentença de primeira instância não só a parte acusada que se considera injustamente onerada pela sentença, mas também o Promotor de Justiça da CDF (cf. art. 26 §2 SST).

89. Segundo os art. 16 e 17 SST, o processo penal judicial pode realizar-se na CDF ou ser confiado a um Tribunal inferior. A decisão a este respeito é comunicada aos interessados através duma carta executiva específica.

90. Mesmo durante o desenrolar dum processo penal, judicial ou extrajudicial, podem ser impostas ao acusado as medidas cautelares referidas nos n. 58-65.

 

a) Que é o processo penal extrajudicial?

91. O processo penal extrajudicial, por vezes designado «processo administrativo», é uma forma de processo penal que reduz as formalidades previstas no processo judicial, a fim de acelerar o curso da justiça, sem por isso eliminar as garantias processuais que são previstas pelo justo processo (cf. cân. 221 CIC e 24 CCEO).

92. Para os delitos reservados à CDF, o art. 21 §2, 1.º SST, derrogando os cân. 1720 CIC e 1486 CCEO, dispõe que seja apenas a CDF, em casos individuais, ex oficio ou a pedido do Ordinário ou do Hierarca, a decidir se deve proceder por esta via.

93. Tal como o processo judicial, também o processo penal extrajudicial pode realizar-se na CDF ou ser confiado a uma instância inferior, isto é, ao Ordinário ou ao Hierarca do acusado, ou então a terceiros para isso designados pela CDF, mediante eventual solicitação do Ordinário ou do Hierarca. Sobre a decisão a propósito, é enviada uma carta executiva específica aos interessados.

94. O processo penal extrajudicial decorre com formalidades ligeiramente diferentes, segundo os dois Códigos. Se fosse ambíguo a qual dos Códigos referir-se (por exemplo, no caso de clérigos de rito latino que trabalham em Igrejas Orientais, ou clérigos de rito oriental ativos em circunscrições latinas), será necessário esclarecer com a CDF qual Código seguir e, depois, ater-se escrupulosamente a tal decisão.

 

b) Como se desenrola um processo penal extrajudicial, segundo o CIC?

95. Quando um Ordinário recebe da CDF o encargo de realizar um processo penal extrajudicial, deve em primeiro lugar decidir se preside pessoalmente ao processo ou nomeia um seu Delegado. Além disso, deve nomear dois Assessores, que assistirão a ele ou ao seu Delegado na fase de avaliação. Para a sua escolha, pode ser oportuno ater-se aos critérios citados nos cân. 1424 e 1448 §1 CIC. É necessário nomear também um Notário, segundo os critérios referidos no n.º 41. Não está prevista a nomeação do Promotor de Justiça.

96. As referidas nomeações são feitas por meio de um decreto específico. Aos oficiais seja pedido o juramento de cumprirem fielmente o encargo recebido, observando o segredo. O juramento efetuado deve constar nos autos.

97. Depois, o Ordinário (ou o seu Delegado) deve iniciar o processo com um decreto de convocação do acusado. Este decreto deve conter: a indicação clara da pessoa convocada, do local e hora em que deverá comparecer, da finalidade para que é convocado, isto é, inteirar-se da acusação (a que o texto do decreto aludirá brevemente) e das relativas provas (que não é necessário enumerar já no decreto) e exercer o seu direito de defesa.

98. Embora não esteja explicitamente previsto pela Lei no caso dum processo extrajudicial, todavia, tratando-se de matéria penal, é muito oportuno que o acusado, segundo as disposições dos cân. 1723 e 1481 §§1-2 CIC, tenha um procurador e/ou advogado que o assista, por ele escolhido ou – se não o fizer – nomeado de ofício. O nome do advogado deve ser fornecido ao Ordinário (ou ao seu Delegado) antes da sessão de notificação das acusações e das provas, com uma procuração autêntica específica segundo o cân. 1484 §1 CIC, para as verificações necessárias sobre os requisitos exigidos pelo cân. 1483 CIC[8].

99. Se o acusado se recusa ou transcura de comparecer, o Ordinário (ou o seu Delegado) avalie se é o caso para efetuar uma segunda convocação.

100. O acusado que recusa ou transcura de comparecer na primeira ou na segunda convocação seja advertido que o processo continuará apesar da sua ausência. Esta informação pode ser dada já no momento da primeira convocação. Se o acusado transcurou ou recusou comparecer, o facto seja verbalizado e proceda-se ad ulteriora.

101. No dia e hora da sessão de notificação das acusações e provas, são apresentados ao acusado e possível advogado que o acompanhe o fascículo dos atos da investigação prévia. Torne-se conhecida a obrigação de respeitar o segredo de ofício.

102. Se o caso envolver o sacramento da Penitência, preste-se particular atenção a respeitar o art. 24 SST, onde se prevê que não seja referido ao acusado o nome da presumível vítima, a não ser que esta tenha expressamente consentido em revelá-lo.

103. Não é obrigatório que os Assessores tomem parte na sessão de notificação.

104. A finalidade da notificação de acusação e provas é dar ao acusado a possibilidade de se defender (cf. cân. 1720, 1.º CIC).

105. Por «acusação» entende-se o delito que a presumível vítima ou outra pessoa afirma ter-se verificado, de acordo com os resultados da investigação prévia. Por isso, apresentar a acusação significa dar a conhecer ao acusado o delito que se lhe atribui, com tudo aquilo que o configura (por exemplo, lugar de ocorrência, número e eventualmente nome das presumíveis vítimas, circunstâncias).

106. Por «provas» entende-se o conjunto de todo o material recolhido durante a investigação prévia e outro material que possa ter sido adquirido: primeiro, a verbalização das acusações emitidas pelas presumíveis vítimas; depois os documentos relevantes (por exemplo, relatórios médicos, trocas de correspondência mesmo por via eletrónica, fotografias, recibos de compras, extratos bancários); as atas das declarações de possíveis testemunhas; e, enfim, eventuais perícias (médicas – incluindo as psiquiátricas –, psicológicas, grafológicas) que a pessoa condutora da investigação considerou apropriado acolher ou fazer realizar. Observem-se as regras de confidencialidade eventualmente impostas pela lei civil.

107. O conjunto de elementos agora referido é designado «provas», porque, apesar de terem sido recolhidas antes do processo, no momento em que é aberto o processo extrajudicial torna-se automaticamente um conjunto de provas.

108. É lícito, em qualquer fase do processo, que o Ordinário ou o seu Delegado estabeleça o recolhimento de mais provas, se lhe parecer oportuno com base nos resultados da investigação prévia. O mesmo pode acontecer também a pedido do acusado em fase de defesa. Obviamente, os resultados serão apresentados ao acusado no desenrolar desta fase. O que foi recolhido na sequência da defesa exercida seja apresentado, convocando uma nova sessão para contestação de acusações e provas, se forem encontrados novos elementos de acusação ou de prova; caso contrário, este material pode ser considerado simplesmente como elemento integrante da defesa.

109. A defesa pode realizar-se segundo duas modalidades: a) recolhendo-a no decorrer da própria sessão através de uma ata específica assinada por todos os presentes (mas, particularmente, pelo Ordinário ou seu Delegado, pelo acusado e possível advogado, e pelo Notário); b) estabelecendo um prazo razoável dentro do qual a referida defesa seja apresentada, por escrito, ao Ordinário ou ao seu Delegado.

110. Tenha-se bem em mente que o acusado, segundo o cân. 1728 §2 CIC, não é obrigado a confessar o delito, nem se lhe pode impor o juramento de veritate dicenda.

111. A defesa do acusado pode, obviamente, valer-se de todos os meios lícitos, como, por exemplo, a solicitação de ouvir testemunhas da outra parte ou exibir documentos e perícias.

112. Relativamente à admissão destas provas (particularmente ao recolhimento de declarações de eventuais testemunhas), aplicam-se os critérios discricionários permitidos ao juiz pela Lei geral sobre o juízo contencioso[9].

113. Se o caso concreto o exigir, o Ordinário ou o seu Delegado avalie a credibilidade dos que intervêm no processo[10]. Mas, segundo o art. 24 §2 SST, é obrigado a fazê-lo em relação ao denunciante, se o caso envolver o sacramento da Penitência.

114. Como se trata de processo penal, não se prevê a obrigação de o denunciante intervir na fase processual. De facto, exerceu o seu direito ao contribuir para a formulação da acusação e o recolhimento das provas. A partir daquele momento, a acusação é conduzida pelo Ordinário ou o seu Delegado.

 

c) Como se conclui um processo penal extrajudicial, segundo o CIC?

115. O Ordinário ou o seu Delegado convida os dois Assessores a fornecerem, dentro dum prazo razoável, a sua avaliação das provas e dos argumentos de defesa, referidos no cân. 1720, 2.º CIC. No decreto, pode também convidá-los para uma sessão conjunta onde se realize tal avaliação. A finalidade desta sessão é, evidentemente, facilitar a análise, a discussão e o confronto. Para uma tal sessão, facultativa mas recomendável, não estão previstas formalidades jurídicas particulares.

116. Previamente, forneça-se aos Assessores todo o fascículo processual, dando-lhes tempo suficiente para o estudo e a avaliação pessoal. É bom recordar-lhes a obrigação de observar o segredo de ofício.

117. Embora não esteja previsto pela Lei, é bom que o parecer dos Assessores seja redigido por escrito, para facilitar a redação do sucessivo decreto conclusivo por quem de dever.

118. Com a mesma finalidade, se a avaliação das provas e dos argumentos de defesa ocorrer durante uma sessão conjunta, é aconselhável tomar uma série de anotações sobre as intervenções e a discussão, inclusive em forma de ata assinada pelos intervenientes. Estes escritos recaem sob o segredo de ofício, e não devem ser divulgados.

119. Se constar com certeza o delito, o Ordinário ou o seu Delegado (cf. cân. 1720, 3.º CIC) deverá emanar um decreto pelo qual encerra o processo, impondo a pena, o remédio penal ou a penitência que julgar mais adequado para a reparação do escândalo, o restabelecimento da justiça e a emenda do réu.

120. O Ordinário nunca se esqueça de que, se pretender impor uma pena expiatória perpétua, segundo o art. 21 §2, 1.º SST, deverá ter o mandato prévio da CDF. Assim, limitadamente a estes casos, é derrogada a proibição de infligir penas perpétuas por decreto, nos termos do cân. 1342 §2 CIC.

121. O elenco das penas perpétuas é unicamente aquele previsto no cân. 1336 §1 CIC[11], com as referências mencionadas nos cân. 1337 e 1338 CIC[12].

122. Dado que se trata de um processo extrajudicial, tenha-se em mente que o decreto penal não é uma sentença, pois esta só se emite no termo de um processo judicial, embora imponha uma pena, como na sentença.

123. O decreto em questão é um ato pessoal do Ordinário ou do seu Delegado, pelo que não deve ser assinado pelos Assessores, mas apenas autenticado pelo Notário.

124. Além das formalidades gerais previstas para cada decreto (cf. cân. 48-56 CIC), o decreto penal deve citar resumidamente os principais elementos da acusação e do andamento do processo, mas sobretudo expor ao menos brevemente as razões sobre as quais se fundamenta a decisão, no direito (isto é, enumerando os cânones em que se baseia a decisão – por exemplo, os que definem o delito, os que definem eventuais atenuantes, eximentes ou agravantes – e, ao menos de maneira essencial, a lógica jurídica que levou a decidir aplicá-los) e nos factos.

125. Obviamente, a motivação nos factos é a mais delicada, porque o autor do decreto deve expor as razões com base nas quais, comparando o material da acusação e aquilo que foi afirmado na defesa (confrontação esta que deverá explicitar sinteticamente na apresentação), chegou a ter certeza de o delito ter sido ou não cometido, ou da insuficiente certeza moral.

126. Cientes de que nem todos possuem vastos conhecimentos do direito canónico e da sua linguagem formal, requer-se que num decreto penal apareça destacado principalmente o raciocínio seguido, e não tanto a precisão terminológica em detalhe. Eventualmente recorra-se à ajuda de pessoas competentes.

127. A notificação do decreto na íntegra (e, por conseguinte, não só da parte dispositiva) acontecerá através dos meios legítimos previstos (cf. cân. 54-56 CIC[13]) e deve constar na forma devida.

128. Em todo o caso, deve-se enviar à CDF cópia autenticada dos atos processuais (se ainda não tinham sido enviados) e do decreto notificado.

129. Se a CDF decidir avocar a si mesma o processo penal extrajudicial, todas as formalidades previstas a partir do n.º 91 ficarão, obviamente, a cargo dela, sem prejuízo do direito de solicitar a colaboração das instâncias inferiores, se necessário.

 

d) Como se desenrola um processo penal extrajudicial, segundo o CCEO?

130. Como se disse no n.º 94, o processo penal extrajudicial segundo o CCEO desenrola-se com algumas peculiaridades próprias daquele direito. Visando uma maior fluidez da exposição e para evitar repetições, indicar-se-ão apenas tais peculiaridades: por conseguinte, na praxis descrita até agora e em comum com o CIC, será preciso fazer as seguintes adaptações.

131. Antes de mais nada, tenha-se em mente que o estipulado no cân. 1486 CCEO deve ser escrupulosamente seguido, sob pena de falta de validade do decreto penal.

132. No processo penal extrajudicial, segundo o CCEO, não existe a presença dos Assessores, sendo, pelo contrário, obrigatória a do Promotor de Justiça.

133. A sessão de notificação da acusação e das provas deve-se realizar com a presença obrigatória do Promotor de Justiça e do Notário.

134. Segundo o cân. 1486 §1, 2.º CCEO, a sessão de notificação e, consequentemente, o recolhimento da defesa realizar-se-á unicamente sob a forma de discussão oral. Mas isto não exclui que, para tal discussão, se possa entregar a defesa em forma escrita.

135. Com base na gravidade do delito, pondere-se atentamente se as penas referidas no cân. 1426 §1 CCEO são verdadeiramente adequadas para se alcançar aquilo que está previsto no cân. 1401 CCEO. Na decisão sobre a pena a impor, observem-se os can. 1429[14] e 1430[15] CCEO.

136. O Hierarca ou o seu Delegado recorde-se sempre que, segundo o art. 21 §2, 1.º SST, estão ab-rogadas as proibições referidas no cân. 1402 §2 CCEO. No entanto, ele poderá impor por decreto uma pena expiatória perpétua, depois de ter o mandato prévio da CDF, exigido pelo mesmo art. 21 §2, 1.º SST.

137. Para redigir o decreto penal, aplicam-se os mesmos critérios indicados nos n. 119-126.

138. A notificação será feita nos termos do cân. 1520 CCEO e deve constar na forma devida.

139. Quanto ao restante, que não se mencionou nos números anteriores, tenham-se presentes as disposições para o processo extrajudicial segundo o CIC, incluindo a possível realização do processo na CDF.

 

e) O decreto penal recai sob o segredo de ofício?

140. Como já se recordou (cf. n.º 47), os atos processuais e a decisão encontram-se sob o segredo de ofício. É preciso lembrá-lo constantemente a quantos intervêm, a qualquer título, no processo.

141. O decreto deve ser notificado integralmente ao acusado. A notificação será feita ao seu procurador, se o acusado se valeu dele.

 

VII. Que pode acontecer, quando termina um procedimento penal?

142. Segundo o tipo de procedimento ativado, existem diferentes possibilidades que dizem respeito a quem teve parte no próprio procedimento.

143. Se foi seguido o procedimento segundo o art. 21 §2, 2 SST, tratando-se de um ato do Romano Pontífice, é inapelável (cf. cân. 333 §3 CIC e 45 §3 CCEO).

144. Se houve um processo penal judicial, estão abertas as possibilidades de impugnação previstas pela Lei, nomeadamente a querela de nulidade, a restitutio in integrum e o apelo.

145. Segundo o art. 20, 1.º SST, o único Tribunal de segunda instância a que se pode apelar é o da CDF.

146. Para apresentar apelo, segue-se o prescrito pela Lei, notando cuidadosamente que o art. 28, 2.º SST altera o prazo de apresentação do apelo, impondo perentoriamente o prazo de um mês, a contar de acordo com o disposto nos cân. 202 §1 CIC e 1545 §1 CCEO.

147. Se houve um processo penal extrajudicial, há a possibilidade de apresentar recurso contra o decreto conclusivo do mesmo, nos termos previstos pela Lei, ou seja, pelos cân. 1734ss. CIC e 1487 CCEO (veja-se o ponto VIII).

148. Apelos e recursos produzem, segundo os cân. 1353 CIC e 1319 e 1487 §2 CCEO, efeito suspensivo da pena.

149. Dado que a pena é suspensa e se voltou a uma fase análoga à pré-processual, permanecem em vigor as medidas cautelares com as mesmas admoestações e modalidades referidas nos n. 58-65.

 

VIII. Que se deve fazer em caso de recurso contra um decreto penal?

150. A Lei prevê modalidades diferentes, segundo os Códigos.

 

a) Que prevê o CIC em caso de recurso contra um decreto penal?

151. Quem pretende recorrer contra um decreto penal, segundo o cân. 1734 CIC deve começar por solicitar a sua reforma ao autor (o Ordinário ou o seu Delegado) dentro do prazo perentório de dez dias úteis a partir da legítima notificação.

152. O autor, segundo o cân. 1735 CIC, dentro de trinta dias a contar desde quando recebeu a solicitação, pode responder corrigindo o seu decreto (mas, antes de assim proceder, é bom pedir imediatamente conselho à CDF) ou rejeitando a solicitação. Pode também optar simplesmente por não responder.

153. Contra o decreto corrigido, a rejeição da solicitação ou o silêncio do autor, o recorrente pode dirigir-se à CDF diretamente, por meio do autor do decreto (cf. cân. 1737 §1 CIC) ou através de um procurador, no prazo perentório de 15 dias úteis previsto pelo cân. 1737 §2 CIC[16].

154. Se o recurso hierárquico foi apresentado ao autor do decreto, este deve transmiti-lo imediatamente à CDF (cf. cân. 1737 §1 CIC). Depois disso (bem como se o recurso for apresentado diretamente à CDF), o autor do decreto deve apenas aguardar eventuais instruções ou solicitações da CDF, que, em todo o caso, o informará acerca do resultado do exame do recurso.

 

b) Que prevê o CCEO, em caso de recurso contra um decreto penal?

155. O CCEO prevê um procedimento mais simples que o do CIC. De facto, o cân. 1487 §1 CCEO prevê apenas que o recurso seja enviado à CDF no prazo de dez dias úteis a contar da notificação.

156. Neste caso, o autor do decreto não tem nada a fazer, senão aguardar eventuais instruções ou solicitações da CDF, que, em todo o caso, o informará sobre o resultado da análise do recurso. Mas, se se tratar do Ordinário, deverá ter em conta os efeitos suspensivos do recurso, referidos no n.º 148.

 

 IX. Algo que é preciso ter sempre em mente

157. Desde o momento em que se tem a notitia de delicto, o acusado tem direito de apresentar pedido para ser dispensado de todas as obrigações inerentes ao seu estado de clérigo, incluindo o celibato, e contextualmente de eventuais votos religiosos. O Ordinário ou o Hierarca deve informá-lo claramente deste seu direito. Se o clérigo decidir valer-se desta possibilidade, deverá redigir uma solicitação específica, dirigida ao Santo Padre, apresentando-se e indicando brevemente os motivos por que o faz. O pedido deve ser claramente datado e assinado pelo requerente. Será entregue à CDF, acompanhado pelo votum do Ordinário ou Hierarca. A CDF, por sua vez, providenciará a encaminhar o pedido ao Santo Padre e – se ele o aceitar – transmitirá o rescrito de dispensa ao Ordinário ou Hierarca, pedindo-lhe para providenciar à legítima notificação do requerente.

158. Há possibilidade de recurso, nos termos do art. 27 SST[17], contra todos os atos administrativos singulares emitidos ou aprovados pela CDF. Para a sua admissibilidade, o recurso deve determinar claramente o petitum e conter as razões in iure e in facto em que se baseia. O recorrente deve valer-se sempre dum advogado, munido do respetivo mandato.

159. Se uma Conferência Episcopal já providenciou a redação das suas próprias diretrizes relativas ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores, em resposta ao convite feito pela CDF em 2011, dever-se-á ter presente este texto.

160. Acontece às vezes que a notitia de delicto diz respeito a um clérigo já falecido. Neste caso, não pode ser ativado qualquer tipo de procedimento penal.

161. Se um clérigo denunciado morrer durante a investigação prévia, não será possível abrir um sucessivo procedimento penal. Em todo o caso, recomenda-se ao Ordinário ou ao Hierarca que informe igualmente a CDF.

162. Se um clérigo acusado morrer durante o processo penal, comunique-se o facto à CDF.

163. Se, durante a fase de investigação prévia, um clérigo acusado perdeu esse estado canónico na sequência da concessão de dispensa ou da pena imposta noutro procedimento, o Ordinário ou o Hierarca avalie se é oportuno levar a termo a investigação prévia, tendo em vista a caridade pastoral e as exigências de justiça para com as presumíveis vítimas. Mas se tal acontecer com o processo penal já iniciado, este poderá ainda ser levado a termo, ainda que seja somente para definir a responsabilidade num possível delito e impor eventuais penas. De facto, tenha-se em mente que, na definição de delictum gravius, conta que o acusado seja clérigo no momento do possível delito, não no tempo do processo.

164. Levando em consideração quanto previsto pela Instrução Sobre a reserva das causas, do dia 6 de dezembro de 2019, a autoridade eclesiástica competente (o Ordinário ou o Hierarca) informe, nos devidos modos, a presumível vítima e o acusado – se o solicitarem – sobre cada uma das fases do procedimento, tendo o cuidado de não revelar informações cobertas por segredo pontifício ou segredo de ofício, cuja divulgação poderia prejudicar terceiros.

***

Este Vademecum não pretende substituir a formação dos operadores de direito canónico, em particular no que diz respeito à matéria penal e processual. Somente um profundo conhecimento da Lei e das suas intenções poderá prestar o devido serviço à verdade e à justiça, que se há de procurar com peculiar atenção em matéria de delicta graviora devido às profundas feridas que infligem à comunhão eclesial.

Vaticano, 16 de julho de 2020

 


 

Anexo do Vademecum

TABELA PARA OS CASOS DE DELICTA RESERVATA

DIOCESE/INSTITUTO DE INCARDINAÇÃO  
IGREJA SUI IURIS (se oriental)
ORDINÁRIO
CDF PROT. N.° (se conhecido)  
SOBRENOME COMPLETO DO CLÉRIGO  
NOME COMPLETO DO CLÉRIGO  
DOCUMENTO DE IDENTIDADE (fotocópia, se possível)  

 

DADOS ANAGRÁFICOS DO CLÉRIGO
Data de nascimento Ordenação diaconal Idade
Votos perpétuos Ordenação sacerdotal Anos de ministério
 
EVENTUAIS LUGARES DE INCARDINAÇÃO PRECEDENTES
MINISTÉRIO FORA DA DIOCESE

OU INSTITUTO DE INCARDINAÇÃO

ENDEREÇO ATUAL DO CLÉRIGO
ADVOGADO/PROCURADOR (fotocópia assinada do mandado)
ENDEREÇO DO ADVOGADO/PROCURADOR
 
MINISTÉRIO
Ano (s) Paróquia / Instituição Lugar Encargos
 
ACUSAÇÕES DE DELICTA RESERVATA CONTRA O CLÉRIGO
Data do suposto delito (s) Nome e sobrenome da suposta vítima Data de nascimento Lugar, frequência e detalhes do suposto delito (s) Autor e data da denúncia a autoridade eclesiástica
 
OUTROS FATOS PROBLEMÁTICOS / OUTRAS ACUSAÇÕES
Ano (s) Descrição
 
PROCEDIMENTO CIVIL CONTRA O CLÉRIGO
Ano Tipo êxito/Sentença (fotocópia, se possível)
 
MEDIDAS ADOTADAS PELA AUTORIDADE ECLESIÁSTICA
Ano (s) Descrição
 
MEIOS DE SUSTENTAÇÃO DO CLÉRIGO
RESPOSTA DO CLÉRIGO EM RELAÇÃO ÀS ACUSAÇÕES
Ano Resposta (admite, nega, não deseja colaborar, etc)
 
PARECER / VOTUM DO ORDINÁRIO
 

 

Data

 

Nos Países que não usam o sobrenome, indicar o nome do pai do clérigo.

Esta Tabela é um guia para resumir o caso e não substitui a documentação da investigação prévia. A mesma deve ser enviada a este Dicastério, juntamente com toda a documentação referente ao caso.

Se possível, enviar também a Tabela em formato Word a: disciplinaryoffice@cfaith.va

 

[1] Art. 7 SST – §1. Sem prejuízo do direito de a Congregação para a Doutrina da Fé derrogar a prescrição para casos individuais, a ação criminal relativa aos delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé extingue-se por prescrição em vinte anos. §2. A prescrição começa nos termos do cân. 1362 §2 do Código de Direito Canónico e do cân. 1152 §3 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais. Mas, no delito referido no art. 6 §1, 1.º, o prazo de prescrição começa a contar do dia em que o menor completou dezoito anos.

[2] Art. 24 SST – §1. Nas causas pelos delitos referidos no art. 4 §1, o Tribunal não pode dar a conhecer o nome do denunciante ao acusado, nem mesmo ao seu defensor, se o denunciante não tiver dado expresso consentimento. §2. O próprio Tribunal deve avaliar com particular atenção a credibilidade do denunciante. §3. Contudo é preciso providenciar para que se evite absolutamente qualquer perigo de violação do sigilo sacramental.

[3] Art. 8 SST – §2. Este Tribunal Supremo julga também os outros delitos (…) em virtude da conexão da pessoa e da cumplicidade.

[4] Cân. 1428 CIC – §1. O juiz ou o presidente do tribunal colegial pode designar um auditor para realizar a instrução da causa, escolhendo-o dentre os juízes do tribunal ou dentre as pessoas aprovadas pelo Bispo para esse múnus. §2. Para o múnus de auditor, o Bispo pode aprovar clérigos ou leigos que se distingam pelos bons costumes, prudência e doutrina. Cân. 1093 CCEO – §1. O juiz ou o presidente do tribunal colegial pode designar um auditor para realizar a instrução do caso, escolhendo-o dentre os juízes do tribunal ou dentre os fiéis cristãos admitidos pelo Bispo eparquial para este cargo. §2. O Bispo eparquial pode admitir no cargo de auditor fiéis cristãos que se distingam pelos bons costumes, prudência e doutrina.

[5] Cân. 1722 CIC – Para evitar escândalos, defender a liberdade das testemunhas e garantir o curso da justiça, o Ordinário pode (…) afastar o acusado do ministério sagrado ou de qualquer ofício ou cargo eclesiástico, e impor-lhe ou proibir-lhe a residência em determinado lugar ou território, ou a pública participação na santíssima Eucaristia (…). Cân. 1473 CCEO – A fim de evitar escândalos, proteger a liberdade das testemunhas e tutelar o curso da justiça, o Hierarca pode (…) impedir ao acusado o exercício da Ordem Sacra, do ofício, do ministério ou de outro encargo, impor-lhe ou proibir-lhe a residência em algum lugar ou território, ou mesmo proibir-lhe de receber publicamente a divina Eucaristia (…).

[6] Cân. 1339 CIC – §1. O Ordinário, por si mesmo ou por meio de outrem, pode admoestar aquele que se encontrar em ocasião próxima de delinquir, ou aquele sobre quem, depois de feita investigação, incidir grave suspeita de ter cometido um delito. §2. Também pode repreender, por forma adequada às circunstâncias peculiares da pessoa ou do facto, aquele de cujo comportamento surja escândalo ou grave perturbação da ordem. §3. Da admoestação ou da repreensão deve constar sempre ao menos por meio de um documento, que se guarde no arquivo secreto da cúria. Cân 1340 §1 CIC: A penitência, que se pode impor no foro externo, é realização de alguma obra de religião, piedade ou de caridade. Cân. 1427 CCEO – §1: Sem prejuízo do direito particular, a repreensão pública tem lugar na presença do notário ou de duas testemunhas ou então por meio de carta, mas de modo que conste por qualquer documento a receção e o conteúdo da carta. §2. Tenha-se cuidado para não dar, na repreensão pública, mais espaço do que o necessário à infâmia do réu.

[7] Art. 21 §2, 2.º SST – §2. À Congregação para a Doutrina da Fé é lícito: (…) 2.º remeter diretamente para a decisão do Sumo Pontífice a possibilidade da demissão do estado clerical ou da deposição, juntamente com a dispensa da lei do celibato, nos casos mais graves, quando constar claramente a realização do delito, depois de ter sido concedida ao réu a faculdade de se defender.

[8] Cân. 1483 CIC – Procurador e advogado devem ser de maior idade, e de boa fama; o advogado, além disso, deve ser católico, a não ser que o Bispo diocesano permita outra coisa, e doutor em direito canónico, ou pelo menos verdadeiramente perito, e aprovado pelo mesmo Bispo.

[9] Ex analogia cân. 1527 CIC – §1. Podem produzir-se provas de qualquer espécie, que pareçam úteis para examinar a causa e sejam lícitas.

[10] Ex analogia cân. 1572 CIC – Ao avaliar os testemunhos, o juiz, solicitadas, se for necessário, cartas testemunhais, considere: 1.º) qual seja a condição da pessoa e a sua honestidade; 2.º) se depôs por ciência própria, principalmente por ter visto ou ouvido, ou por mera opinião sua, pela fama ou pelo que ouviu a outras pessoas; 3.º) se a testemunha se mostrou constante e firmemente coerente consigo própria, ou variável, incerta ou vacilante; 4.º) se o depoimento condiz com os das outras testemunhas, ou se é confirmado ou não com outros elementos de prova.

[11] Cân. 1336 CIC – §1. As penas expiatórias, que podem atingir o delinquente perpetuamente ou por tempo determinado ou indeterminado, além de outras que porventura a lei tiver estabelecido, são as seguintes: 1.º) proibição ou preceito de residir num determinado lugar ou território; 2.º) privação do poder, ofício, cargo, direito, privilégio, faculdade, graça, título, insígnias, mesmo meramente honoríficos; 3.º) proibição de exercer as coisas referidas no n.º 2, ou a proibição de as exercer em certo lugar ou fora de certo lugar; tais proibições nunca são sob pena de nulidade; 4.º) transferência penal para outro ofício; 5.º) demissão do estado clerical.

[12] Cân. 1337 CIC – §1. A proibição de residir em certo lugar ou território pode aplicar-se quer aos clérigos quer aos religiosos; a fixação de residência aos clérigos seculares e, dentro dos limites das constituições, aos religiosos. §2. Para se aplicar a pena de fixação de residência em certo lugar ou território, requer-se o consentimento do Ordinário desse lugar, a não ser que se trate de casa destinada à penitência ou emenda também de clérigos extradiocesanos. Cân. 1338 CIC – §1. As privações e proibições referidas no cân. 1336 §1 n. 2 e 3, nunca afetam os poderes, ofícios, direitos, privilégios, faculdades, graças, títulos e insígnias, que não estejam sob a alçada do Superior que estabeleceu a pena. §2. Não se pode dar a privação do poder de ordem, mas tão somente a de exercitar essa ordem ou algum dos seus atos; do mesmo modo não pode dar-se a privação dos graus académicos. §3. Acerca das proibições mencionadas no cân. 1336-§1,3.º, observem-se as normas que acerca das censuras se dão no cân. 1335.

[13] Cân. 54 CIC – §1. O decreto singular, cuja aplicação se confia ao executor, surte efeito desde o momento da execução; de contrário, desde o momento em que é intimado ao interessado por autoridade da pessoa que o deu. §2. O decreto singular, para poder ser urgido, deve ser intimado por documento legítimo, nos termos do direito. Cân. 55 CIC – Salvo o prescrito nos cân. 37 e 51, quando uma causa gravíssima obstar a que se entregue o texto escrito do decreto, este considera-se intimado se for lido àquele a quem se destina perante o notário ou duas testemunhas, redigindo-se a ata que deve ser assinada por todos os presentes. Cân. 56 CIC – O decreto considera-se intimado, se aquele a quem se destina, devidamente convocado para receber o decreto, sem justa causa, não comparecer ou se recusar a assiná-lo.

[14] Cân. 1429 CCEO – §1. A proibição de residir em certo lugar ou território específico pode recair apenas sobre os clérigos, os religiosos ou os membros duma sociedade de vida comum como se fossem religiosos; ao passo que a prescrição de residir num certo lugar ou território só pode recair sobre os clérigos incardinados em uma eparquia, salvaguardado o direito dos institutos de vida consagrada. §2. Para se impor a ordem de residir num certo lugar ou território, requer-se o consentimento do Hierarca do lugar, a não ser que se trate da casa dum instituto de vida consagrada de direito pontifício ou patriarcal e, neste caso, exige-se o consentimento do Superior competente, ou de uma casa destinada à penitência e à emenda de clérigos de várias eparquias.

[15] Cân. 1430 CCEO – §1. As privações penais podem recair apenas sobre poderes, ofícios, ministérios, encargos, direitos, privilégios, faculdades, graças, títulos, insígnias que estejam sob a alçada da autoridade que estabelece a pena ou do Hierarca que implementou o processo penal ou que a inflige com decreto; o mesmo é válido na transferência penal para outro ofício. §2. Não pode haver a privação do poder de ordem sagrada, mas somente a proibição de exercitar todos ou alguns dos seus atos, como estabelece o direito comum; bem como não pode haver a privação dos graus académicos.

[16] Cân. 1737 §2 CIC – O recurso deve ser interposto no prazo perentório de quinze dias úteis, que (…) decorrem nos termos do cân. 1735.

[17] Art. 27 SST – Contra os atos administrativos singulares emitidos ou aprovados pela Congregação para a Doutrina da Fé nos casos de delitos reservados, admite-se o recurso, apresentado no prazo perentório de sessenta dias úteis, à Congregação Ordinária (ou seja, Feria IV) do mesmo Dicastério, que julga sobre o mérito e a legitimidade, ficando eliminado qualquer outro recurso nos termos do art. 123 da Constituição Apostólica Pastor bonus.

 

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