Base Comum de Atuação das Comissões Diocesanas para a Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis

BASE COMUM DE ATUAÇÃO DAS COMISSÕES DIOCESANAS PARA PROTEÇÃO DE MENORES E ADULTOS VULNERÁVEIS

maio de 2022

 

EQUIPA DE COORDENAÇÃO NACIONAL

CAPÍTULO I – APRESENTAÇÃO

No dia 5 de fevereiro de 2022 teve lugar em Fátima, por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa, um encontro que contou com a presença dos Senhores Bispos bem como dos Coordenadores e mais membros das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis.

Foi aí criada a Equipa de Coordenação das referidas Comissões Diocesanas, a qual reuniu e elegeu como primeira tarefa a elaboração de uma Base Comum de Atuação das Comissões. Estas foram ouvidas através dos respetivos porta-vozes, durante a reunião, e manifestaram-se, inequivocamente, no sentido da necessidade, ou pelo menos da grande utilidade, dessa Base Comum.

1. Na verdade, embora as Comissões Diocesanas devam atender às necessidades e meios específicos de cada Diocese, são facilmente compreensíveis os inconvenientes que resultariam, de as várias Comissões adotarem procedimentos muito diferentes no desempenho da missão apostólica que a todos nos une.

2. Não se ignora, antes se acolhe com muito agrado, o facto de algumas Comissões disporem já de um “Regimento”, um “Regulamento” ou de uma “Orientação de Procedimentos”, próprios, que se propõem usar. É o caso, por exemplo, de Braga, Coimbra (com “Formulário de Registo de Ocorrência”), Guarda, Lamego, Leiria-Fátima, Lisboa, ou Portalegre-Castelo Branco com formulário para a “Identificação da Entidade Sinalizadora e da Situação de Perigo (Denúncia)” e ainda para a “Investigação Prévia”.

A presente Base Comum não pretende substituir a disciplina já estabelecida pelas Comissões Diocesanas que dela já disponham, apenas tem o propósito de obter a uniformização possível das respetivas atuações, para além de poder ser um contributo para a regulamentação dos procedimentos a levar a cabo.

Caso se verifique, nalgum ponto relevante, uma oposição frontal, entre a Base Comum e a disciplina já regulamentada pelas Comissões, importa então que ambas fiquem em consonância. Se, eventualmente, surgirem dificuldades para tal, a Comissão Diocesana dará conta da situação à Equipa de Coordenação.

3. A presente Base Comum teve em atenção os Documentos da Igreja que foram produzidos em matéria de abusos de menores e adultos vulneráveis e, mais recentemente, as Cartas Apostólicas do Santo Padre, sob a forma de motu proprio, o Vademecum do Dicastério para a Doutrina da Fé e Diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP)[1].

Do mesmo modo se atendeu à legislação penal e civil portuguesa, bem como às regras de direito canónico pertinentes.

Por último, importa aludir ao comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa de 13/3/2023, nos termos do qual se refere, entre o mais: “Reconhecemos o trabalho imprescindível das Comissões Diocesanas e da Equipa de Coordenação Nacional e propomos que sejam constituídas apenas por leigos competentes nas mais diversas áreas de atuação, podendo ter um assistente eclesiástico”. Daí resultará que a consonância com a vontade manifestada pela CEP implicará o recurso ao apoio que o assistente eclesiástico possa prestar, nos termos que a Comissão lhe solicite.

CAPÍTULO II – ESTRUTURA ORGANIZATIVA E FUNCIONAL

4. Fundamentalmente, as Comissões Diocesanas têm como objetivo levar a cabo procedimentos de prevenção, acolhimento e acompanhamento, bem como de colaboração com outros organismos eclesiais e civis, despoletados pelo conhecimento que tiverem, de situações de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis.

5. As Diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa (doravante CEP), no seu ponto 23 estabelecem que: “Cada Bispo dote a Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis de pessoas verdadeiramente especialistas nas várias áreas que envolvem a prevenção, formação, acompanhamento e escuta, tanto dos menores e adultos vulneráveis como dos seus responsáveis.”

E no ponto 24 refere que: “Cada Comissão Diocesana tenha regulamento de funcionamento próprio, que determine as suas competências, periodicidade dos seus encontros e os seus objetivos, tendo em conta a realidade própria de cada Diocese.”

6. Para que possam desempenhar, convenientemente, as tarefas para que foram criadas, devem dispor de uma estrutura organizativa básica que conte, antes do mais, com uma sede física, cuja morada tem de ser divulgada, ao que acrescerá uma linha telefónica e um endereço informático, para estabelecimento dos contactos que não tiverem ocorrido por escrito.

7. Importa, também que, na medida das possibilidades e necessidades de cada Comissão, se estabeleça um serviço de secretariado[2] envolvendo pelo menos um membro da Comissão, auxiliado ou não por outrem, a quem caberá proceder a tarefas de registo, organização de processos e arquivo.

8. Cada Comissão determinará o número de membros que a integram, um dos quais será escolhido para Coordenador/Presidente, e pode contar com o apoio de um assistente eclesiástico

9. A Comissão reunirá estando presente a maioria dos seus membros e com a periodicidade regular que estabelecer, sem embargo de o poder fazer sempre que se mostrar necessário, mediante convocação do Coordenador.

10. Sobre cada tema terá lugar a discussão a que se seguirá, se for o caso, uma deliberação. As decisões serão tomadas por maioria simples de votos e no caso de empate o Coordenador disporá de voto qualificado. Secretariará a reunião quem o Coordenador designar que, nomeadamente, efetuará a redação da ata que será aprovada, o mais tardar, na reunião seguinte.

11. As Comissões determinarão a duração do mandato dos seus membros e o número máximo de mandatos seguidos que pode ser exercido pelos seus membros.

12. Os membros da Comissão, e quem os auxiliar, estão obrigados a um rigoroso dever de sigilo em tudo quanto respeitar aos casos de que tenham conhecimento no exercício ou por força das suas funções, mesmo depois de elas terem cessado. Excetuam-se as informações exigidas pela cooperação funcional com outras entidades, civis ou eclesiásticas, e pelo relacionamento com a comunicação social nos termos que adiante se referirão.

CAPÍTULO III – ÂMBITO DE ATUAÇÃO

SECÇÃO I – ÂMBITO OBJETIVO DE ATUAÇÃO NOS TERMOS DA LEI PENAL CIVIL

13. Numa perspetiva jurídico civil, o âmbito objetivo de intervenção da Comissão estará delimitado por comportamentos que relevem da área sexual e que estejam previstos na lei penal civil como crime ou como delito na lei canónica[3].

14. Os tipos legais de crime em questão abarcam uma variedade grande de condutas, com níveis de gravidade muito diferentes, que se relacionam, ou se integram, no conceito abrangente de prática de “ato sexual de relevo”. Como contributo possível, com vista à densificação deste conceito, importará levar em conta o preenchimento de duas condições:

  • Por um lado, estar em causa um comportamento com conotação sexual, ou seja, destinado a satisfazer o apetite sexual do próprio agente ou de outrem.
  • Por outro lado, importa que a atuação em apreciação não se possa considerar banal, no sentido de que tem de estar para além do que é corrente, à luz dos hábitos de convivência do meio social em que o agente e vítima se movimentam, ou, então, que mesmo sendo procedimento frequente (beijo, toque, carícia) se distinga, no contexto, pela intensidade e/ou frequência.

15. De entre os atos sexuais de relevo, a lei enumera, especificamente, alguns que se distinguem pela sua especial gravidade (cópula, coito etc.) e, portanto, implicam punições mais severas[4], sendo tarefa do intérprete integrar no conceito em foco os outros comportamentos com que se deparar.

16. Neste domínio das previsões criminais, o Código Penal (doravante CP) refere ainda, por exemplo, o recurso à prostituição de menores (relacionamento sexual mediante pagamento ou outra contrapartida) o lenocínio de menores (fomentar, favorecer ou facilitar a prostituição), atuações várias, envolvendo pornografia com menores e o aliciamento de menores através de tecnologias de informação e de comunicação, para fins sexuais, mesmo não seguido de qualquer encontro.

17. Por outro lado, as previsões e sanções, também, se distinguem tendo em conta a faixa etária da vítima: menores até aos 14 anos de idade, entre os 14 e os 16 anos e entre os 16 e os 18 anos.

18. Claro que, no caso de a vítima não ser menor, mas pessoa vulnerável (v.g. idade avançada, pessoa com deficiência ou doença mental), o universo das previsões desloca-se dos “Crimes contra a autodeterminação sexual” para os crimes dos arts. 163º a 170º, os “Crimes contra a liberdade sexual”. No primeiro caso, o legislador presumiu (presunção inilidível), que a vítima, em função da idade, não dispunha do amadurecimento suficiente para só por si decidir o que fazer, ou consentir, em matéria sexual. No segundo caso, o fator idade deixa de ter relevo e importam as circunstâncias que impediram que a prática do ato derivasse de uma decisão livre.

19. Poderá, sempre, haver, no caso concreto, o cometimento de outros crimes (ameaças, rapto, sequestro, por exemplo), e ser o caso de entrarem numa relação de concurso ou sucessão com os atrás referidos crimes[5].

20. As penas aplicáveis podem ir de seis meses a dez anos de prisão e, em face de certas condições que a lei discrimina devidamente, podem ser agravadas de mais um terço ou de mais metade. Portanto, no limite, a pena aplicável por um só crime não ultrapassará os 15 anos de prisão, e pela prática de vários crimes não irá além do máximo legal que é de 25 anos.

21. Para se proceder por um de tais crimes importa que o prazo de prescrição não tenha decorrido, contado desde a data da prática do crime ou da cessação da sua prática se for prolongada, nos termos do art. 118º do CP. Esse prazo, pode ir, e atendendo à gravidade da infração, de 2 anos a 15 anos e, tal como para todas as condutas crime, terá em conta as penas aplicáveis ao caso, mencionadas na lei. De qualquer modo, o crime nunca prescreverá se o/a ofendido/a tiver menos de 23 anos, mesmo que porventura já tenha decorrido o prazo prescricional.

Interessará, evidentemente, ter em conta a previsão penal da data dos factos, porque será a previsão em tal data que nos dirá se o comportamento era, então, crime, e será a pena então aplicável que irá determinar o prazo da prescrição.

SECÇÃO II – ÂMBITO OBJETIVO DE ATUAÇÃO NOS TERMOS DAS NORMAS PRÓPRIAS DA IGREJA

22. O Livro VI do Código de Direito Canónico (doravante CIC), “Das Sanções na Igreja”, inclui uma primeira parte geral, “Dos Delitos e das Penas em geral”, a que se segue uma segunda parte, especial, epigrafada “Das Penas contra cada um dos Delitos”. Nesta, o Título V trata “Dos Delitos contra Obrigações especiais”, onde se integra o Cânone (Cân.) 1395. Este previu primeiro situações de concubinato de clérigos, bem como dos que permanecerem com escândalo em outro pecado grave externo contra o sexto mandamento[6]. O §2 do preceito refere “O clérigo que, por outra forma, delinquir contra o sexto mandamento do Decálogo, se o delito for perpetrado com violência ou ameaças ou publicamente ou com um menor de dezasseis anos.” As penas podiam ir da “suspensão”, proibição da prática de todos ou de certos atos, ou do exercício de direitos previstos no Cân. 1333, até à demissão do estado clerical.

23. Entretanto, a Constituição Apostólica do Papa Francisco, de 23 de maio de 2021, Pascite Gregem Dei, operou uma alteração substancial do Referido Livro VI do CIC, para vigorar a partir de 8 de dezembro de 2021. Além da nova redação dada ao Cân. 1395 acima apontado, foram modificados outros preceitos. Entre estes, o Cân. 1398, passou a ser a previsão que mais interessa à matéria que nos ocupa e por isso o passamos a transcrever:

“§ 1. Seja punido com a privação de ofício e com outras penas justas, não excluída, se for o caso, a demissão do estado clerical, o clérigo:

1°. que comete um delito contra o sexto mandamento do Decálogo com um menor, ou com uma pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão, ou com quem o direito reconhece igual tutela;

2°. que recruta ou induz um menor, ou uma pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão, ou uma à qual o direito reconhece igual tutela, para se mostrar pornograficamente ou para participar de exibições pornográficas reais ou simuladas;

3°. que imoralmente adquire, conserva, exibe ou divulga, de qualquer forma e com qualquer instrumento, imagens pornográficas de menores ou pessoas que habitualmente têm um uso imperfeito da razão.

§ 2. O membro de um Instituto de Vida Consagrada ou de uma Sociedade de Vida Apostólica, e qualquer fiel que goza de uma dignidade ou exerce um encargo ou uma função na Igreja, se comete o delito de que trata o § 1 ou o cân. 1395, seja punido de acordo com cân. 1336, § 2-4, com a adição de outras penas segundo a gravidade do delito.”

24. A Congregação para a Doutrina da Fé (doravante CDF) modificou a Carta Apostólica Sacramentorum sanctitatis tutela, que já era de 30/4/2001, atualizada a 21/5/2010 e cuja versão em vigor foi publicada a 11/10/2021. Estabeleceu, entre o mais, no seu Art. 6, §1, a competência própria para julgamento dos delitos mais graves contra os costumes, a saber:

“1º. O delito contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de dezoito anos ou com pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão; a ignorância ou o erro por parte do clérigo acerca da idade do menor não constitui circunstância atenuante ou eximente [dirimente, anuladora] da gravidade do delito.

2º a aquisição, a detenção, a exibição ou a divulgação, para fins de libidinagem ou de lucro, de imagens pornográficas de menores de dezoito anos por parte de um clérigo, de qualquer modo e com qualquer instrumento.”

25. A Carta Apostólica Vos estis lux mundi de 9/5/2019 delimita o campo de atuação que deve nortear as Comissões Diocesanas, enumerando, no seu Art. 1, § 1, os delitos canónicos relevantes e que se passam a transcrever:

“a) delitos contra o sexto mandamento do Decálogo que consistam:

i. em forçar alguém, com violência, ameaça ou abuso de autoridade, a realizar ou sofrer atos sexuais;

ii. em realizar atos sexuais com um menor ou uma pessoa vulnerável;

iii. na produção, exibição, posse ou distribuição inclusive por via telemática de material pornográfico infantil, bem como no recrutamento ou indução dum menor ou duma pessoa vulnerável a participar em exibições pornográficas;

b) em condutas realizadas pelos sujeitos a que se refere o artigo 6 [Bispos e entidades equiparadas, para o efeito], consistindo em ações ou omissões tendentes a interferir ou contornar as investigações civis ou as investigações canónicas, administrativas ou criminais, contra um clérigo ou um religioso, relativas aos delitos a que se refere a alínea a) deste parágrafo.

§ 2. Para efeito destas normas entende-se por:

a) “menor”: toda a pessoa que tiver idade inferior a dezoito anos ou a ela equiparada por lei;

b) “pessoa vulnerável”: toda a pessoa em estado de enfermidade, deficiência física ou psíquica, ou de privação da liberdade que de facto, mesmo ocasionalmente, limite a sua capacidade de entender ou crer ou, em todo o caso, de resistir à ofensa;

c) “material pornográfico infantil”: qualquer representação dum menor, independentemente do meio utilizado, envolvido em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, e de qualquer representação de órgãos sexuais de menores para fins predominantemente sexuais.”

26. A CDF elaborou a 16/7/2020 um Vademecum que, também, se reporta ao âmbito objetivo da sua competência para julgamento (I.), fornecendo elementos que explicitam, neste campo, a noção de delito relevante – “todo o pecado externo contra o sexto mandamento do Decálogo” – pormenorizando comportamentos possíveis, esclarecendo o conceito de menoridade, que não tem sido igual em todos os tempos e países, explicando que a expressão “menores e equiparados”, onde apareça, refere-se a menores e “pessoas que possuem habitualmente um uso imperfeito da razão”[7], estabelecendo a irrelevância entre a prática de pedofilia ou de efebofilia (vítimas que ultrapassaram já a puberdade).

27. De acordo com o art. 8º da Carta Apostólica “Sacramentorum sanctitatis tutela”, na versão em vigor desde 11/10/2021, o procedimento relativo a delitos reservados à CDF extingue-se, por prescrição, decorridos 20 anos a partir da data dos factos. Importa, no entanto, ter em conta que a CDF tem o direito “de derrogar a prescrição para cada um dos casos” (§1.).

Além disso, segundo o §2, quanto ao delito a que se refere o art. 6, §1, nº 1, da Carta (vide supra 23), “a prescrição começa a decorrer a partir do dia em que o menor completou dezoito anos”. Nos termos do Cân. 1362 do CIC, na redação de 1983, a ação criminal extinguia-se por prescrição ao fim de três anos. Excetuavam-se, como acabou de se ver, os delitos reservados à CDF em que o prazo é de 20 anos e de 5 anos no que toca aos delitos dos Cân. 1394, 1395, 1397 e 1398. Sempre a partir da data dos factos, e se o delito for permanente ou habitual desde o dia em que tiver cessado.

28. Entretanto, também esta norma sofreu alteração com a Constituição Apostólica Pascite Gregem Dei e passou a ter a redação seguinte:

“§ 1. A ação criminal extingue-se por prescrição em três anos, a não ser que se trate:

1°. de delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé, que estão sujeitos a normas especiais;

2°. restando firme a disposição do n. 1, da ação pelos delitos referidos nos cân. 1376, 1377, 1378, 1393, § 1, 1394, 1395, 1397, 1398, § 2, que se prescreve em sete anos, ou da ação pelos delitos estabelecidos no cân. 1398, § 1, que se prescreve em vinte anos;

3°. de delitos não punidos pelo direito universal, se a lei particular tenha estabelecido um outro limite de tempo para a prescrição.”

§ 2. A prescrição, a não ser que a lei estabeleça outra coisa, decorre a partir do dia em que foi cometido o delito ou, se o delito é permanente ou habitual, do dia em que cessou.

§ 3. Citado o réu de acordo com o cân. 1723 ou informado na forma prevista pelo cân. 1507, § 3, da apresentação, de acordo com o cân. 1721, § 1, do libelo de acusação, suspende-se a prescrição da ação criminal por três anos; transcorrido esse prazo ou interrompida a suspensão, por causa da cessação do processo penal, novamente decorre o tempo, que se acrescenta àquele já decorrido para a prescrição. A mesma suspensão igualmente vigora se, observado o cân. 1720, n. 1, procede-se para aplicar ou declarar a pena por decreto extrajudicial.”

SECÇÃO III – ÂMBITO SUBJETIVO DE ATUAÇÃO

29. O procedimento das Comissões Diocesanas só deve ter lugar quando o suspeito da infração tiver uma determinada condição. Essa condição resulta do disposto da Carta Apostólica de 9/5/2019 em cujo §1. do art. 1º, se refere que as respetivas normas se aplicam “em caso de assinalações[8] relativas a clérigos ou a membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica”. Portanto, abrange em primeiro lugar os comportamentos de “clérigos”, entendendo-se como tal os “ministros sagrados” (Cân. 207, §1, do CIC). São os membros da Igreja Católica que tenham recebido o sacramento da ordem, e as ordens são o episcopado, o presbiterado e o diaconado (Cân. 1009, §1 e 266 §1, ambos do CIC).

30. Os Institutos de Vida Consagrada estão regulados nos Cân. 573 a 709 do CIC. As Sociedades de vida Apostólica nos Cân. 731 a 746.

31. Se não estiver em causa um agente com a qualidade de clérigo ou membro dos referidos Institutos ou Sociedades, a Comissão deverá ocupar-se dos casos em que o presumível agente seja qualquer fiel que goza de uma dignidade ou exerce um encargo ou uma função na Igreja, limitando-se, se houver suspeita de crime, a remeter a notícia à autoridade civil, que deverá ser o magistrado do Ministério Público com o grau hierárquico mais elevado, na área da Diocese. Em qualquer caso, a Comissão também remeterá a mesma notícia ao Bispo da Diocese territorialmente competente em razão do domicílio ou do local onde o crime possa ter sido cometido.

32. No que respeita às vítimas, estarão em causa os menores de dezoito anos e os adultos vulneráveis, na definição ampla da Carta Apostólica Vos estis lux mundi de 9/5/2019 (vide supra 24, § 2, al. b)).

33. Em termos civis, a responsabilidade penal atinge-se, para qualquer pessoa, aos 16 anos, importando, ainda, que o agente seja imputável. De notar que a responsabilidade penal pode ter lugar tanto em termos de autoria como de cumplicidade (art. 26º e 27º do CP).

SECÇÃO IV – PROCESSAMENTO

Sem prejuízo do vertido na Carta Apostólica, sob a forma de motu próprio, do Sumo Pontífice Francisco, Vos estis lux mundi, bem como no Vademecum, sobre alguns pontos de procedimento no tratamento nos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos, da Congregação para a Doutrina da Fé (sobretudo o §16 e seguintes), propõe-se a adoção dos procedimentos seguintes.

I – RECEÇÃO DA NOTÍCIA E REGISTO

34. As Comissões Diocesanas devem integrar nas suas equipas pessoas habilitadas a acolher e escutar toda a informação, denúncia, notícia (“assinalação” na linguagem canónica da Carta Apostólica Vos estis lux mundi) que recebam oralmente, ou por escrito, sob qualquer forma, sobre comportamentos que se considerem infrações em termos penais civis ou canónicos.

35. Num primeiro momento, com vista à respetiva avaliação, as notícias de comportamentos abusivos, para serem acolhidas, não carecem de especial apresentação formal, podem ser anónimas, trazidas pelas vítimas ou por outras pessoas, sem grandes detalhes e até com origem em fontes que se reputem de credibilidade duvidosa.

36. A notícia deverá ser reduzida a escrito, se for prestada oralmente e de qualquer maneira registada em arquivo próprio, rodeada dos meios que garantam a sua confidencialidade e de modo anonimizado, ao serviço da privacidade e segurança das pessoas em foco, que passam a ser designadas por um nome fictício, assim desvinculando os respetivos dados de identificação dos factos relatados.

II – DISTRIBUIÇÃO E AVERIGUAÇÃO PRÉVIA

37. Recebida e registada a notícia, deve a mesma ser distribuída a um membro da Comissão, a quem competirá verificar a existência de uma probabilidade séria da veracidade dos factos e da identidade das pessoas envolvidas. Por regra será necessário ouvir as pessoas envolvidas ou que possam fornecer elementos probatórios, do que tudo será tomada nota por escrito.

38. Depois da averiguação referida poderá concluir-se pela falta de fundamento da notícia ou pela necessidade de lhe dar seguimento, devendo conservar-se a documentação reunida e ser elaborada uma nota justificativa do sentido da decisão.

39. O membro da Comissão a quem foi distribuído o processo apresentará a proposta de decisão à Comissão que deliberará por maioria simples, tendo o Coordenador voto de qualidade em caso de empate.

III – PROCEDIMENTOS ULTERIORES

40. Não compete à Comissão proceder a uma investigação formal do caso, pelo que, se a decisão final tiver sido no sentido de existir fundamento sério para a notícia de um delito, aquela comunicá-lo-á ao Ministério Público (doravante MP), na qualidade, entre nós, de titular da ação penal, e dirigindo a pertinente documentação ao magistrado do MP com grau hierárquico mais elevado na área da Diocese. A Polícia Judiciária tem competência exclusiva para investigar os crimes que nos ocupam, por delegação do MP.

41. Sem embargo de poder opinar a esse respeito, a Comissão não deixará de proceder à referida comunicação ao MP, mesmo se entender que à luz da lei penal (civil), o crime está prescrito, ou que não existe legitimidade para proceder criminalmente por falta de queixa, nos termos do art. 178º do Código de Processo Penal[9].

42. Concomitantemente, sempre que o considere necessário, para proteger a vítima da reiteração de novos atos delituosos, a Comissão dará conhecimento dos factos às pessoas com responsabilidades parentais, ou às Comissões de Proteção de Menores competentes.

43. A mesma notícia de um possível crime ou delito deve ser dada a conhecer ao Ordinário Diocesano competente. Ainda que não se verifique nenhum delito com menores, perante condutas que se consideram impróprias e imprudentes, e se for justificado para proteger o bem comum e evitar escândalos, deve dar-se conhecimento ao Ordinário da prática das mesmas, o qual deve acionar os mecanismos previstos na legislação canónica em vigor, nomeadamente o início de uma investigação prévia (cf. Cân. 1317 e 1318 do CIC). Além disso, o Ordinário Diocesano poderá impor outras medidas cautelares que considerar necessárias, designadamente, limitações no ministério ou impor os remédios penais mencionados no cân. 1339 CIC. E se houver delitos não graviora, o Ordinário deve seguir as vias jurídicas apropriadas às circunstâncias.

44. Assim, e por maioria de razão, deverá o Ordinário ter conhecimento de todos os factos que chegam ao conhecimento da Comissão e relativamente aos quais existam fundados motivos para supor que foi praticado um dos factos a que se refere o artigo 1.º da Carta Apostólica “Vos Estis Lux Mundi”, acima transcrito, e observando o que dispõe o art. 3º do mesmo documento.

CAPÍTULO IV – RELACIONAMENTOS

SECÇÃO I – COM A EQUIPA DE COORDENAÇÃO

É importante que a Equipa de Coordenação conheça a realidade do país, no que respeita aos casos de abuso de que as Comissões Diocesanas tenham tido conhecimento, e assim devem participar a ocorrência logo que se inicie qualquer procedimento, independentemente da sequência que venha a ter. A participação deverá ser remetida por mail para o Secretariado da Equipa de Coordenação[10], a qual assume sempre a obrigação de guardar sigilo, em conformidade como nº 12 supra.

45. Cada Comissão decidirá que elementos devem ser enviados, sendo certo que interessa dispor pelo menos da informação seguinte:

  • Data dos factos.
  • Diocese em cuja área terão sido praticados.
  • Idade e sexo da vítima.
  • Relação da vítima com o presumido agente.
  • Qualidade do presumido agente, designadamente se se trata de clérigo ou não.
  • Se é a primeira vez que os factos são revelados a uma entidade civil ou eclesiástica, e na negativa a que entidade foram comunicados.

46. A sequência do processamento deve ser participada, também, quanto aos passos dados, designadamente a eventual remessa do caso à autoridade judiciária civil e a instauração de procedimento canónico.

SECÇÃO II – COM A COMISSÃO INDEPENDENTE

A Comissão Independente, ultimamente criada, mantém um bom relacionamento com a presente Equipa de Coordenação, com a qual já se encontrou presencialmente. Existe a clara consciência por parte de ambas de que a Comissão Independente e as Comissões Diocesanas têm propósitos diferentes e não devem interferir no trabalho de cada uma, sem embargo de poderem cooperar na medida estritamente necessária. A Comissão Independente tem um horizonte temporal limitado o que não é o caso das Comissões Diocesanas.

47. As Comissões Diocesanas devem participar à Comissão Independente, durante o tempo da duração desta, os casos pretéritos e futuros de que tenham tido conhecimento. O site da Comissão Independente inclui uma ficha que poderá ser preenchida pelas Comissões Diocesanas, para o efeito, com os elementos que tiver.

Respeitarão sempre o anonimato da vítima e do presumido agente.

SECÇÃO III – COM A COMUNICAÇÃO SOCIAL

48. As Comissões Diocesanas, através do seu Coordenador/Presidente, poderão fornecer à Comunicação Social elementos relativos a casos da sua alçada, quando para tanto forem solicitadas, ou por sua iniciativa, quando o considerarem importante para reposição da verdade dos factos e bom nome das pessoas[11].

49. As informações dispensadas devem pautar-se sempre pela discrição, nunca revelando a identidade das vítimas ou agentes presumivelmente envolvidos, nem elementos que permitam chegar facilmente a tal identidade.

SECÇÃO IV – COM OUTRAS ENTIDADES

50. As Comissões Diocesanas podem estabelecer protocolos ou acordos com Ordens Religiosas ou Movimentos da Igreja, sediados ou em funcionamento na área da Diocese, mas com autonomia em relação a esta, no sentido de ser dada informação, mutuamente, dos casos cuja notícia tenha chegado ao seu conhecimento.

50-A. Do mesmo modo, poderá haver lugar ao relacionamento entre as Comissões Diocesanas e outros grupos operativos criados no seio da Igreja Diocesana, que se proponham acolher, acompanhar e prevenir os comportamentos abusivos da área sexual no seio da Igreja, no respeito pelas competências mútuas. Estabelecendo-se uma relação coordenada com as Comissões Diocesanas em termos de complementaridade.

CAPÍTULO V

PROCEDIMENTOS PREVENTIVOS

É urgente criar uma cultura de prevenção de abuso sexual e de implementação de boas práticas de interação social no seio da Igreja Católica.

SECÇÃO I – CONSCIENCIALIZAÇÃO DA COMUNIDADE

51. Importa promover uma consciencialização da comunidade em geral para a existência do abuso sexual de menores e de adultos em situação de vulnerabilidade, no meio em que vivemos, e desenvolver na comunidade uma mudança de atitude, com vista a uma maior capacidade de iniciativa e de sinalização precoce de situações que configurem o abuso sexual.

52. O anterior silenciamento destes tipos de crime, cuidadosamente escondidos, levou demasiadas vezes a que as pessoas não se soubessem defender e, em situação de maior vulnerabilidade, tenham sido vítimas de abuso sexual no seio da Igreja, com consequências trágicas para si, para as suas famílias e para a Igreja em geral.

53. É fundamental desmistificar o tabu, dar nomes às coisas, fortalecer as pessoas para que se possam defender e não serem futuras vítimas. Só aumentando o conhecimento geral acerca dos processos de abuso se pode facilitar a credibilização das pessoas que foram vítimas de abuso sexual e conseguir que o seu pedido de ajuda seja o mais precoce possível, para minimizar danos, potenciar a saúde e bem-estar de todos e sobretudo prevenir futuras vítimas pelo mesmo agente.

54. As Comissões deverão produzir e/ou divulgar campanhas de sensibilização junto da comunidade em geral, tais como afixação de cartazes, distribuição de prospetos, edição de vídeos, produção de artigos e de estudos nos meios de comunicação social, entre outros.

SECÇÃO II – PROMOÇÃO DE AÇÕES DE FORMAÇÃO

55. Com vista à garantia da Igreja proporcionar a menores e pessoas em situação de vulnerabilidade, contextos seguros, será fundamental a formação adequada de agentes de pastoral e de educação, nas estruturas da Diocese, ou de qualquer pessoa interessada em colaborar na mesma.

56. A Equipa de Coordenação procurará organizar ações de formação a nível nacional, com periodicidade anual, para facilitar a formação de formadores diocesanos na prevenção do abuso sexual.

57. As Comissões deverão também facultar a formação a todos os agentes de pastoral e de educação, em estruturas da Diocese, comprometendo-se numa formação permanente e atualizada desses agentes.

58. É proposta a elaboração de um mapa de risco[12] a nível diocesano, de um registo atualizado das formações desenvolvidas e de um registo de todos os agentes de pastoral e de educação de estruturas da Diocese (com a devida identificação, registo criminal e certificado de formação). Além disso, a Comissão Diocesana procurará que cada pessoa jurídica canónica que tenha contacto direto com menores e/ou adultos vulneráveis possua mecanismos de prevenção e de sinalização de possíveis casos de abuso, procurando que esses procedimentos constem de regulamentos específicos.

59. Aos agentes de pastoral e de educação de estruturas da diocese vai depois competir a sensibilização e formação dos próprios menores e adultos vulneráveis, no sentido do empoderamento e dos comportamentos de segurança, de autodefesa e de pedido de ajuda.

SECÇÃO III – ACOMPANHAMENTO DE VÍTIMAS (E/OU RESPETIVAS FAMÍLIAS) E AGENTES

60. Importa que as Comissões Diocesanas disponibilizem meios para acompanhar de forma gratuita todas as pessoas envolvidas no caso, seja a pessoa que se encontra na situação de vítima (vítima de 1ª ordem), quer os seus familiares (vítimas de 2ª ordem), quer os agentes, sempre que seja dado o devido consentimento.

61. O acompanhamento poderá ser de âmbito jurídico, espiritual e/ou do campo da saúde mental, pelo que deverá ser possível recorrer a uma bolsa de pessoas devidamente habilitadas em cada uma das áreas de apoio. As pessoas a integrar nesta bolsa, preferencialmente, não devem coincidir com os elementos das Comissões.

62. Em matéria de aconselhamento jurídico e/ou canónico, as pessoas envolvidas necessitam de compreender os trâmites processuais associados à tomada de conhecimento do abuso e aos possíveis procedimentos posteriores, quem são os seus protagonistas, possíveis períodos de espera, entre outros, com vista a darem um consentimento devidamente informado e integrar em todos os momentos na sua história pessoal. Seria imprescindível conseguir o acompanhamento do processo depois de este ser iniciado pela Comissão, para manter atualizados todos os envolvidos no processo.

63. Num momento de elevado sofrimento pessoal, as pessoas envolvidas no caso poderão necessitar de acompanhamento espiritual que permita uma reconciliação interior consigo próprias e com Deus.

64. Quanto ao acompanhamento na área da saúde mental, a bolsa poderá integrar psiquiatras, pedopsiquiatras ou psicólogos que realizem diferentes tipos de acompanhamento (individual, familiar ou através da promoção de grupos de ajuda mútua). Nas situações em que a pessoa esteja já a ser acompanhada em psicoterapia e não fizer sentido mudar o terapeuta (para não interferir com o processo e relação terapêutica já estabelecido), a nossa proposta vai no sentido da Diocese assegurar os custos envolvidos.

A TERMINAR

As Comissões Diocesanas devem ser encaradas, designadamente por parte das vítimas e famílias, como uma estrutura em que se pode e deve depositar confiança, integradas por pessoas habilitadas a acolher, ouvir, encaminhar e auxiliar, de forma empática e disponível. Deve fomentar-se a convicção, na sociedade, de que fazem parte das Comissões pessoas disponíveis para ajudar e interessadas no esclarecimento de toda verdade, mesmo que não sejam os seus membros que realizam a investigação e muito menos o julgamento dos factos, tanto no foro civil como canónico. Nenhuma outra organização, inclusive da Igreja, se poderá substituir às Comissões Diocesanas no exercício das funções destas, devendo, sim, com elas cooperar, porque tal resulta da determinação do Papa Francisco quando as criou[13].

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Notas de rodapé

[1] Mencionaremos, nomeadamente, a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio “Sacramentorum Sanctitatis Tutela”, de 30 de abril de 2001 (atualizada a 21 de maio de 2010), a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio “Vos estis lux mundi”, de 9 de maio de 2019 (que foi atualizada aos 25 de março de 2023) o “Vademecum sobre alguns pontos de procedimento no tratamento dos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos” da Congregação Para a Doutrina da Fé, de 16 de julho de 2020, e as Diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa, de 19 de abril de 2012, ou de 13 de novembro de 2020

[2] A Carta Apostólica “Vos estis lux mundi”, de 9 de maio de 2019, e atualizada aos 25 de março de 2023, refere no § 1. do seu artigo art. 2º o estabelecimento de “um ou mais sistemas estáveis e facilmente acessíveis ao público para apresentar as denúncias, inclusive através da instituição de uma peculiar repartição eclesiástica”.

[3] Concretamente, no caso português, e no que toca à lei civil penal, tendo em conta o art. 165º do Código Penal (CP) “Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência”, no que respeita a adultos vulneráveis, ou então, face aos art. 171º a 179º do CP (Secção II – Crimes contra a autodeterminação sexual, todos do Capítulo V e Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, do Título I – Dos crimes contra as pessoas).

Trata-se de um dos sectores da parte especial do CP que mais alterações tem sofrido, depois de ter entrado em vigor em 1982, sempre no sentido do alargamento e especificação das previsões, concretamente nas reformas de 1995, 2007, 2015 e 2019.

[4] As penas podem ir no seu limite máximo de 6 meses a 10 anos de prisão. No entanto, nos termos do art. 177º do CP, estão previstos agravamentos de um terço ou até de metade, das penas antes estabelecidas, nos respetivos limites máximo e mínimo em face das circunstâncias agravantes especiais ali previstas

[5] A relação é de concurso quando o agente tiver cometido um crime depois de outro e não tiver havido, ainda, condenação transitada em julgado por este. Havendo concurso de crimes (e não sucessão de crimes), é aplicada uma única pena, com o limite máximo da soma das parcelares aplicadas a cada crime, estabelecendo, porém, o art. 77º, nº 2, do CP, os tempos que não poderão ser ultrapassados. Por exemplo, para a pena de prisão, os 25 anos. Na sucessão de crimes, as penas por cada um deles serão cumpridas sucessivamente sem se confundirem.

[6] “Não pecar contra a castidade”.

[7] De notar que a CDF não julga casos de abuso de maiores privados acidentalmente da liberdade de facto, que serão tratados pelos Dicastérios competentes segundo a lei própria da Cúria Romana. À CDF estão reservados os casos de uma diminuição de faculdades mentais habitual.

[8] Tomadas de conhecimento de ocorrências.

[9] A este propósito, importa referir que os crimes em questão sobre menores, são, em regra, crimes públicos, ou seja, o procedimento pode ser instaurado e prosseguir independentemente da manifestação de vontade de alguém, designadamente das vítimas ou de quem as represente. Só existe uma exceção a esta regra com o crime do art. 173º do CP, que respeita à prática de “acto sexual de relevo”, em qualquer das suas modalidades, com adolescente de entre 14 e 16 anos, “abusando da sua inexperiência”. Tal abuso da inexperiência pode revelar-se, desde logo, com a não oposição da vítima. Nestes casos, é necessária a queixa pelo crime por parte do ofendido/a, desde que do mesmo não tenha resultado suicídio ou morte da vítima (nº 3 do art. 178º do CP). Em certas circunstâncias, o direito de queixa cabe a outras pessoas que a lei discrimina, e ainda, seis meses depois dos factos, o MP pode proceder criminalmente por sua iniciativa. Tudo nos termos do art. 113º do CP.

Questão conexa com a mencionada é a da obrigatoriedade de denúncia. O Código de Processo Penal (CPP) estabelece para os crimes públicos uma regra que muito simplificadamente se pode traduzir no seguinte: qualquer pessoa pode, e as entidades policiais e os funcionários devem, denunciar os crimes de que tenham conhecimento. Tratando-se de funcionários, só se for no exercício de funções ou por causa delas.

Ora, quanto ao conceito de “entidades policiais” não se têm levantado problemas, mas já não assim quanto ao de “funcionário”. Por isso é que o art. 242º, nº 1, b) do CPP remete para o art. 386º do CP, que define “funcionário”, para efeitos penais. A enumeração dos cargos compreendidos no conceito é extensa e tem sido sucessivamente alargada, e está muito para além do conceito de funcionário civil ou agente administrativo. Por exemplo, todos os magistrados, quem desempenhe funções em IPSS reconhecida como pessoa coletiva de utilidade pública, ou ainda membros de empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, são para o efeito considerados funcionários. Como certo, não será abrangido no conceito quem pertença às Forças Armadas ou desempenhe funções políticas, estando remetida por diplomas próprios a determinação das respetivas obrigações.

De qualquer modo, e no que ora nos ocupa, de acordo com o art. 3º da Constituição Apostólica de 9/5/2019, todos os “clérigos”, os “membros de Institutos de Vida Consagrada” ou os “membros de Sociedades de Vida Apostólica”, estão obrigados a denunciar ao Bispo Diocesano do local dos factos e residência da pessoa denunciada os abusos de que tenham conhecimento. E se notícia for relativa a um Bispo é transmitida ao Arcebispo da Província Eclesiástica (Metropolita) e à Santa Sé.

Outra questão com interesse, ainda neste domínio é a de que, nos termos do Cânone 983.º do CIC, o “sigilo sacramental é inviolável” e, portanto, a obrigatoriedade de denúncia cessará sempre quanto a factos conhecidos durante a confissão. Mas também a lei civil prevê que os ministros de qualquer religião ou confissão religiosa, que devam guardar segredo, podem escusar-se a depor, sobre factos por ele abrangidos (nº 1 do art. 135 do CPP). Quando o segredo for legitimamente invocado, nenhum tribunal pode obrigar a que seja quebrado, ao contrário do que acontece por exemplo com segredos profissionais (nºs 3, 4 e 5 do mesmo artigo).

[10] Indica-se o mail paulamargarido@rsa-lp.com. Caso venha a ser usado outro, do facto será dada a devida informação.

[11] Será o caso, por exemplo, de desmentidos de factos ou de identidades de pessoas, sem os quais o bom nome destas ficaria, gravemente, atingido.

[12] Um Mapa de Riscos pretende identificar os fatores de risco de situações de abuso e os fatores de proteção, nos diferentes contextos diocesanos (seminários, colégios, catequese, entre outros), para minimizar/eliminar as situações de risco (existência de abuso e ausência de boas práticas, por exemplo) e promover medidas de proteção, no sentido de fomentar na Diocese espaços seguros para menores e adultos vulneráveis. A construção de Mapas de Risco poderá ser um dos temas de formação a disponibilizar pela Equipa de Coordenação. O Conselho da Europa reuniu no site https://www.coe.int/en/web/children/end-child-sex-abuse-day um conjunto de boas práticas promissoras para prevenir o abuso sexual de menores e adultos vulneráveis.

[13] Conforme consta, designadamente, no art. 2º, § 1º da Carta Apostólica do Papa Francisco “Vós sois a luz do mundo”, revista a 25 de março de 2023.

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